sexta-feira, 9 de agosto de 2013

Sofri um acidente.

Ontem eu sofri um acidente de trânsito que me deixou machucado. Tá, menos. Eu não estava dentro do carro, tão pouco vi o abalroamento acontecer; ferimentos físicos: nenhum. Entretanto, o que me garante que eu sofri mesmo um acidente, que eu estive lá e que estive machucado por um momento foi o sentimento inconformado e ao mesmo tempo reflexivo que veio lá de dentro, tal qual como a dor física. Veio lá do espírito se é que assim se pode dizer, da alma (por que não?), aquela nossa bateria tão potente e ao mesmo tempo tão fraca.

A gente associa o espírito àquela parcela de vida incorpórea, algo entre o extraordinário e o inexistente. Mas eu acho legal pensar na “alma” ou anima, como queiram, na mais pueril e incrível força que nos movimenta, sem que isso signifique nada sobrenatural ou divino. E essa história tem muito de alma: a minha sendo confrontada, a dos outros sendo eternizada.

Mas, vou guardar um pouco dessa experiência transcendental para daqui a pouco e voltar ao acidente de trânsito e aos hematomas decorrentes do sinistro.

O acidente de fato existiu. Tive prejuízo e tudo mais. O estresse usual, essas angústias cotidianas que nos custam uns muitos dias (ou seriam anos?) de vida lá no juízo final do banco de horas da vida. Angústias mundanas, materialistas, dispensáveis. Mas os hematomas, esses são metafóricos mesmo pois acontecem lá no âmago da alma. Lá dentro os fios desencapados da alma provocaram curtos circuitos, descargas elétricas. Nada como uma dose de realidade pra nos retirar do lugar comum da maneira de ver o mundo, para desencadear conflitos. E para nos inspirar. A dor também inspira.

A mulher que provocou o acidente fugiu sem deixar nota. Bateu e me deixou abatido. Não me deu o direito de ter raiva, pena, compaixão, nada. Eu nem sei se era mulher, mas na minha imaginação eu a vejo dirigindo apressada, dentes cerrados, mãos suando, o vestido preto curtíssimo subindo e ela tentando ajeitá-lo, baixando-o de novo de volta às pernas. A imagem de seu amado vem à mente e ela olha pelo retrovisor para ajeitar o batom. Amassa os lábios e os umidifica, mordendo-os em seguida com um tesão tão reprimido quanto visivelmente explícito. Olha o relógio e vê que está 15 minutos atrasada para o encontro. Um quarto de hora até se entregar ao seu amado. O som estava alto, era Seu Jorge dizendo no ouvido dela: “Foi o seu olhar o que me encantou / quero um pouco mais desse seu amor”... E lá estava ela, sofrendo de paixão aguda em grau terminal, desenganada pelos médicos, pais de santo e roteiristas de novela quando de repente BAM. Na minha imaginação ela bateu e fugiu porque iria reencontrar o objeto de seu desejo e seu desejo infelizmente não permitia obstáculos ou condições. Só o amor salva, só o amor eterniza e ela está a salvo porque ama. Sendo assim, vá!

Aí eu escrevi, no calor do momento, que nunca é tarde pra começar a desacreditar na humanidade. Não podia estar mais errado. Ora, eu provavelmente fui o responsável por subtrair daquela motorista incauta alguns minutos longe do seu amor. Ela não tem porque me pedir desculpas, a ela está permitido ir sem me dar explicações, ainda que eu esteja com uma bela de uma conta na oficina para pagar. A dor também suspira.

Talvez seja por isso que eu goste de escrever, para poder me confrontar. Sério, às vezes eu gosto de provar que estou certo com base no meu parco conhecimento de mundo, nas experiências e leituras que a vida me proporcionou até agora. Mas o que eu gosto mesmo é quando alguém me prova o seu contrário. Quando me convencem que eu estou errado, que eu sempre estive errado e que o que eu escrevi estava tão errado mas tão errado, que podia ser matéria de capa da Veja.

E os hematomas, ah... esses já viraram poesia, pois tenho quase certeza que essa meliante era extremamente linda.