segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

Mas o não-desejo não tem cura.

Não sei viver sem gravidade. Na verdade, nunca aprendi a flutuar, a boiar ou a me abster dos meus próprios pesos e pesares. E da mesma forma que a palavra sugere, a gravidade lembra a severidade que as coisas têm sobre as outras: tudo é grave, tudo te traz pro chão ou então te afunda pro abismo onde a falta é uma constante. Falta de chão, falta de pão, falta de ar, falta de luz, falta de vontade. Não é fácil admitir mas a falta é uma grandeza como a própria gravidade, cresce exponencialmente e se choca contra o chão com toda força se espatifando em não-desejo.   

E eu, aqui enquanto caio, percebo que o abismo mais parece um espelho, pois enquanto nele me jogo ele também vem se jogando em mim. E nesse encontro a meio caminho, nessa queda em que estou, nesse mergulho no rio de cores vibrantes e ondas assassinas, é o precipício que aí vem; eu o vejo chegando pouco a pouco. O choque é iminente, inevitável, é grave.

Eu quero muito acreditar que o meu abismo é o meu desejo já devaneado, estimulado por impulsos de luz, som, fumaça e embriaguez; mas não, aquele que vem, aquele que eu vejo, é uma criança corroída pela medusa carnívora. Todo gris, roto, colado em pedaços; esquecido, desenganado, morto. Assim como o não-desejo, que também não tem cura.


Ninguém é obrigado a ser o chão duro da minha queda, mas todos estão condenados a viver sobre e sob a mesma gravidade.

quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O desejo é a dor do desejo



O desejo é a dor do desejo. Enraíza os alvéolos e brônquios com um só sopro amargo. Trava tudo; respirar é a última das funções de um pulmão doente de querer. É como um sólido, um bólido, arranhando o tórax por dentro enquanto sacia sua vontade mesquinha de se fazer sentir e se fazer doer, interrompendo o curso do tempo aqui na terra com uma velocidade cadenciada e quase dormente, mas que não te deixa dormir.

Ali as luzes são raios, choques, espectros de uma realidade inventada e desinventada na hora. São pólvoras e faróis explodindo em profusão, são anis, são o que você quiser ver. Um olhar doente de desejo não vê nada senão a cor que lhe apetece, que lhe transporta imediatamente para aquele lugar bom e seguro; para o abismo verde do oceano ou para o sofá de casa. Os monstros são sempre os outros, mas os doentes de desejo se reconhecem, encontram-se em suas angústias e simpatizam em suas vontades. E quando fecham os olhos vêem seu querer borbulhando, correndo no leito de um rio colorido como medusas alucinadas fazendo acrobacias, engolindo-se umas as outras e regurgitando em geometrias agudas, em sons graves. Ali o pensamento não é razão pois o desejo não deixa pensar. Também pudera, o desejo é uma água-viva louca e carnívora em um rio caudaloso.

O desejo é, por fim, armadilha. Ele te dá as respostas que você não perguntou e te pergunta coisas que você não sabe responder. É uma charada das boas, daquelas cuja solução é a própria pergunta dissecada em pequenos fragmentos de sentido. O desejo não tem estética, ele não tem forma, ele não se preocupa com convenções, ele só quer devassar seu pulmão por completo, só quer te ver plano, franco, carnal, honesto, estóico. É bom estar preparado para as verdades, pois ele não é feito de frivolidades mas de concupiscências.

E quando você acha que vai morrer de desejo, eis que o tempo regula tudo e o que estava dentro agora está fora e vice-versa. Eu gosto da dor do querer, pois eu gosto da dor de me sentir humano.