terça-feira, 26 de agosto de 2014

Sobre ser incompleto.



Todo rascunho é um trabalho; um desenho mal acabado também tem qualidade. As linhas mal tracejadas, os sons não tão harmônicos, as palavras soltas, os passarinhos seguindo suas rotas pelo instinto, tal qual os pintores dos céus que os fizeram vermelho no crepúsculo e azul clarinho na manhã cheia de assobios. Eu me imagino no meio de um rascunho de vida, no meio de um projeto bem pensado, mas bem pouco executado. E é esse quê de interminado, indeterminado, incomum que me atrai – e também me trai, com o perdão do pobre trocadilho.

Interminado porque me parece que nunca os espaços estão preenchidos, há sempre uma tatuagem nova por fazer na pele e dentro dela também. Sempre uma viagem nova a provar, sempre o novo a se revelar pela lente, pela leitura, pela palavra, pois nada está totalmente terminado. Indeterminado porque não existem marcas, nacionalidades, estirpe, cor, sexo, classe, categoria, cargo, papel; nós somos o arremedo daquilo que mais tememos ser, o nada. Eu sou um projeto do nada. Um rascunho daquilo que vai se apagar ou se preencher, mas que absolutamente indeterminado, pois pode vir a ter qualquer forma. Incomum, porque nem minha mente me pertence, ela é projeto dos desígnios ulteriores e insuperáveis dos recônditos do meu desejo, bem prolixo assim, transtornado assim, mas simples assim também.

Passarinho que voa para outro continente ou outra árvore em busca de alimento, passarinho que voa para se encontrar, se alimentar, que precisa de asas tanto quanto eu preciso de palavras para achar o calor e a paz no caos.

Quando tudo isso se acabar, e eu presumo que seja logo, eu quero que esse rascunho continue incompleto, pois essa é senão minha melhor qualidade, é a coisa da qual sou mais capaz ou que mais me representa.

quinta-feira, 14 de agosto de 2014

Eu sou efêmero e você também.



Não há nada que impeça a finitude, para ela não há remédio, não há cura. O tempo, ele não poupa pois não se gasta, não se guarda. Para ele não há justiça, ainda que a justa balança do universo seja inexorável. Ora, o equilíbrio não é um valor humano, pois nós medimos e qualificamos as coisas em frágeis e fortes, pequenas e grandes, valiosas ou não; mas todas elas são efêmeras e você também.

É engraçado porque nada faz sentido e por isso mesmo é que tudo se justifica. Sou parte de uma ideia, de uma consciência, de uma inteligência que é tão fugaz quanto a minha própria carne. Porque eu sou efêmero e você também.

Sinto-me pequeno e gigante justamente quando percebo que eu e o mundo somos os dois lados de uma mesma moeda: eu não sou nada sem o mundo e o mundo também seria nada se eu não existisse. Claro, eu não teria como provar que as coisas existiriam se eu não estivesse aqui para senti-las. Porque o mundo é efêmero e você também.

"Meu amor o que você faria se só lhe restasse esse dia?" Não há cura para a morte nem para o fim do mundo, que são basicamente a mesma coisa. Mas há sobretudo o tempo, que é causa e efeito, dano e reparação, absoluto e relativo. E como só há tempo, aproveite-o para amar, para dizer que ama, para permitir que os outros vivam os seus tempos com amor. Uma hora ou outra ele acaba e, acredite, sua inexorabilidade não separa alegrias de suplícios. Porque até mesmo o tempo é efêmero e você também.

Isaac N