quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Adultos são só crianças.

Sou uma criança presa no corpo de um adulto. É difícil dizer isso assim, em voz alta, ainda mais nesses tempos em que a gente se obriga tanto, se briga tanto, se cobra tanto, se reprime tanto. Porém, esse é um daqueles pensamentos recorrentes que a gente insiste em tratar como incontestável em algum lugar da insana consciência: eu sou uma criança presa no corpo de um adulto. Simples assim.

Criança, pois, como gosto de dizer, eu sou eu e minhas circunstâncias. Circunstâncias essas tão graves quanto aquelas dos pequenos quando sofrem por não encontrar respostas para suas dúvidas tão absurdamente recorrentes, por não poder brincar com o tempo pois ele é na verdade o senhor de todas as brincadeiras e, portanto, ignora todos os pleitos dos perdedores desesperados como se dono da completa existência fosse. Por não saber perder uma briga e por me perder sempre em outras confusões, de novo e de novo todos os dias. Por me doer com a falta e com o desamor, por me sentir incompleto se me faltar a dor e o amor.

Criança por saber que a única coisa que me separa dos drogados, degradados, exilados, refugiados, perdidos, dos loucos e dos lazarentos, famintos e sedentos, putos de todas as cores, idades, gêneros, identidades, raças, formas, tamanhos e credos é o acaso, a circunstância.

Criança porque cada dia que passa tenho convicção que a própria existência é fruto desse acaso completo que os adultos insistem em tentar classificar e separar para depois oprimir. Pois que nessa vida as chances das coisas darem certo são absurdamente pequenas porque dependem justamente de outros milhares de completos acasos. Não existe tal conceito, harmonia, pois aparentemente nada foi pensado para ser harmonioso senão aleatório e louco. É só parar para imaginar no quanto de caos e beleza existe em um raio de um quilômetro ao seu redor ou na quantidade absurda de maneiras de ser o que se é dentro de um só cômodo.

Se para ser adulto for necessário tomar o caminho contrário de tudo isso, se para ser adulto for mandatório obedecer às regras que só existem para reprimir e oprimir, se para ser adulto for necessário falar apenas a língua da minha verdade sobre todas as outras, desculpem-me, mas prefiro dizer em voz bem alta que vou continuar criança para sempre.