terça-feira, 19 de maio de 2015

Escrever é como ter saudade.


Escrever é um negócio difícil. Eu poderia nomear umas trezentas coisas mais fáceis e que a gente acha super complicado de se fazer. Dar mortal para trás, pilotar um avião, passar num concurso, cuidar de uma doença. Viajar sozinho, aprender um idioma novo, consertar uma torneira vazando, inventar uma teoria nova sobre o porquê da lua cheia ser mais bonita quando nasce imensa e amarela sobre o mar. Não que sejam coisas fáceis, apenas constato que escrever é um negócio difícil, é como ter saudade.

E é complicado porque escrever é uma coisa muito definitiva, das poucas coisas definitivas que a gente inventou. A gente vive com medo de ser esquecido e, aparentemente, a maneira mais efetiva de ser lembrado é quando alguém escreve seu nome, nem que seja sobre alguns segundos seus, sobre um momento, ou sobre alguns muitos momentos juntos. Parece até que a letra não tem medo do tempo, não tem esse nosso medo infantil de morrer, de se esvair, de desaparecer. Plante o nome de alguém num papel, numa carta, numa canção, numa flor ou numa tatuagem e será eternamente responsável por aquilo que cultivas.

Se escrever é momento, ele é também encontro. Se alguém leu, é porque dois mundos se viram e se abraçaram. Eu e meus erros, você e os seus acertos hão de resultar em alguma coisa diferente. Daqui a alguns anos ou quilômetros, nada será igual, é como aquela velha história que diz que nunca dois banhos de rio serão iguais, pois nem você nem o rio serão os mesmos quando voltarem a se encontrar. A natureza arranja uns jeitos criativos de conversar com a gente, de escrever suas marcas, ora indeléveis, ora duradouras. É como um iceberg, flutuando no oceano, se alterando a cada segundo.

Não quero comparar ninguém a um iceberg, há conotações escritas que não são muito bem valorizadas, infelizmente. Mas se você pensar como uma imensa rocha que é ao mesmo tempo firme e flexível; transparente e opaca; fria, mas forte; dura e mole, talvez entenda meu ponto. Eu escrevo porque me permito transformar. Eu me tatuo com meu alfabeto porque me permito escrever o mundo em mim. Eu danço porque meu corpo é uma extensão da minha mente fulgurosa, irrequieta, insolente, incansável. Eu sou resultado de minhas circunstâncias e de minhas consequências e, assim como uma aparente inabalável pedra de gelo no oceano, vou desaparecer um dia, mas até lá vou escrevendo minha história com esses dedos esguios. É difícil. É como ter saudade.