quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A síndrome do eterno saudoso


Hoje vou falar de um tema sério: a saudade. Ter saudade é ter memória e ter memória é ter saudade. A mesma lembrança que ensina, educa, conecta e reconecta, é também absurdamente seletiva. Incrível como ela resgata o que foi muito bom, mas também o pior-que-péssimo, deixando um bocado de subjetividade não compreendida nas entrelinhas do sujeito. Subjetividades eleitas bem sem critério mesmo, ao léu, ou pelo menos quase isso. Diante de tanta incongruência, de tanta falta de senso e de uma incapacidade absurda de vencer os sentidos perversos que insistem em reconectar tudo a todo tempo, é capaz que qualquer pessoa possa se considerar como portadora de uma síndrome, a do eterno saudoso.

O primeiro sintoma dessa síndrome é a disposição para ouvir a discografia do Oasis. Dependendo da força com que chega, você passa a ouvir também a obra completa de Cranberries. Casos mais crônicos envolvem Pink Floyd e Nirvana, sem dúvida. É grave porque ela já começa em estado terminal então você nunca sabe o que vem em seguida, mas geralmente dá uma vontade de assistir filmes já vistos e de vibrar e sofrer com a procrastinação desse resgate cultural fora de hora. As condições evoluem rapidamente no paciente. Em poucos dias, você já passou dessa fase para uma pior: saudade do que nem existiu! Escolhas e possibilidades jogadas fora a troco de quê, você se pergunta. No fundo a resposta às vezes chega, às vezes não... por via das dúvidas, aqui vai uma terapia: viver é gastar, seja a chance desperdiçada ou a aproveitada.

Às vezes tenho a impressão que ela vira um órgão vivo no corpo da pessoa, preso em alguma parte ou em todas as partes. Certeza que a boca engole e regurgita a saudade. Às vezes acho que ela tem a forma de comida congelada guardada no freezer: você só precisa esquentar para se saciar de saudade. De manhã, no café, ela é o gosto do pó preto dentro da caneca, é o tempero de todos os sabores em todas as horas do dia. É o trânsito moroso e irritante, é o programa de rádio que faz questão de te lembrar como o tempo passa... e você não! É até o cheiro ambiguamente ruim e bom da própria saudade, seja no aroma de um perfume caro ou o de uma roupa esquecida no canto do quarto. É o frio da chuva e é o calor de um abraço, ao mesmo tempo.

A síndrome do eterno saudoso só tem um tratamento: criar novas e diferentes saudades. Busque logo um por-do-sol novo, uma praia diferente, um banho de chuva ainda mais frio, um outro pátio de colégio.

Busque logo porque você só é aquilo do que você se lembra.