terça-feira, 22 de março de 2016

Urgência urgentíssima

Se não fôssemos urgência, que seríamos? Calma? Eu desconheço essa palavra tão intranquila e tão pedante, boiando no universo caótico em movimento sempre em mudança, corações e partículas a mil. A velocidade da urgência pouco importa pois ela mesma é a expressão do tempo da vida.

Quase como um susto, de repente a gente nasce - e assim também as coisas nascem. Antes disso foi necessário que as partes se alcançassem naquele frenesi insano, se encontrassem (ah, o encontro) e se fundissem: duas pessoas lhe gozaram para a vida, com toda a pressa que o ato possa pressupor em troca de segundos de torpor, de urgência. E mais ainda antes desses instantes, desses encontros, em total arrepio às circunstâncias da tranquilidade, houve o tudo e houve o nada, houve até mesmo o que não houve (!), as possibilidades aproveitadas, os desperdícios, a pena, a dor. Há tão somente a Vontade.

E não toma muito pra perceber a soberania do desejo dentro da força de seus tentáculos inescapáveis. Você sempre soube a potência de seus prazeres saborosos e dolorosos praticamente desde que nasceu, não minta para si. Um segundo de urgência é suficiente para derrubar um império de sentidos. Que seria então a calma senão pura retração da moral, senão exibir as próprias pragas e existir na dor? Pois é urgente a sede e também é a fome, o sexo, a ambição, a alucinação, o torpor, o medo. A aventura da gente é achar que um dia isso aqui dentro se acalma, que você se entrega sem sofrer, sem sonho e principalmente sem memória. Mas não, aqui dentro nada envelhece, nada morre, nada se apaga ou esmaece. Viver é gastar.

A anarquia do desejo desconhece a tranquilidade. Por isso eu quero esse gosto e esse gasto, pois da urgência do caos sempre vai nascer algo novo e, daí em diante, sem controle, vai se gastar noutros encontros, noutras demandas e noutras coisas belas e sujas dessa vida. E se não fôssemos urgência, que seríamos? Paz?