domingo, 14 de novembro de 2010

Aridez Parte 1

A aridez chegara com força no lugar. O verde-azul, ora piscina, ora oceano, que tinha esse olho d'água, na beira da serrinha, estava cor de mel, de barro. Em certos momentos, diziam ser certeza encontrá-lo acinzentado e com um cheiro insuportável.

O chão estava seco, o céu mudo, o vento não corria. Os únicos assobios que se ouvem de lá são dos bichos que alguém esquecera de levar quando abandonou por completo aquela sequidão. E esses assobios são silenciosos, possivelmente frutos de um delírio de quem lá ainda insiste em por os pés, sem tomar as devidas precauções.

Era um vale pequeno, devia ter uns três quilômetros de extensão de terra seca e solta. Ficava entre duas montanhas – rochas com matiz de osso – com formas de coxas magras de ave, cada uma delas com um tronco seco no topo, com tantas peles de cobra quanto a imaginação pudesse alcançar. O tronco do rochedo da esquerda era envergado como uma coluna. Era marrom, tinha ovos de cobra em um furo grande na sua base. O tronco do rochedo da direita era reto e com uma forquilha na ponta, sobre o qual havia sido posto um outro pedaço de madeira preta na transversal, formando uma espécie de cruz torta que servia na verdade de farol para o intrépido – e perdido – viajante que porventura um dia decidisse bandeirar por aquelas direções.

A rocha não tinha só cor de osso, mas também tinha esse gosto de coisa cinza. Talvez essa sinestesia seja fruto da completa falta de criatividade da natureza, acabando por confundir os desavisados sem esperança. Era evidente o sinal de “dê a volta” naquele lugar; dali não sairia mais que dores.

O único que ainda vivia no vale, em uma casa de taipa coberta com palha de coco à beira do olho d'água – com uma espingarda na porta – era o solitário seu Egu, nome que ele mesmo havia inventado, pois não lembrava de ter tido outro dado por alguém. Egu era homem da terra, sem pai, mãe ou deus que o criasse, sempre viveu ali comendo cacto sem tirar os espinhos, sugando o resto de vida que mal dava para manter a sua própria. Alguém mais desavisado certamente o confundiria com uma estátua de mau gosto e maldade; pernas finas, olhar perdido e centrado, boca murcha, trinta e duas cavidades de dente na boca, um chapeu panamá que havia chegado voando, sujo, com uma mancha de sangue amarelada e um furo enorme na lateral.

Carrancudo, orgulhoso, negro como a manhã e branco como a noite, Egu não sabia distinguir o que era verdade e o que era mentira. Às vezes ele tinha nas mãos o seu chapeu e ficava estático olhando para o furo. Em seus olhos via-se a imaginação de um pretérito mais que imperfeito. Restara sozinho por culpa própria e viver da imagem misturada do passado era um consolo. Esse passado latente e recente o atormentava e o alimentava, enquanto a poeira manchava sua face com sulcos de lágrimas amarelas.

A solidão o conformava, para ser honesto. Ou melhor, ele se conformava com a solidão honesta. Se o perguntassem, contestaria: “honestamente, um solitário não se conforma com a solidão”. Enredos e palavras trocados à parte, o fato é que o sol era quente e castigava.

Continua...