quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Sobre o abismo e suas iniquidades.


É um animal; é grotesco e frágil, caminhando sobre a corda bamba, está vivo por acidente. Observa a pequena casa construída no topo da montanha, na beira da escarpa, no limiar da lei física, bem além do limiar da lei da natureza do mesmo animal que a construiu. Ela está ali, não por acidente, talvez por circunstância, por capricho, por hipótese, por pura teoria. A gente não raro constrói nossas casas sobre grossos e fortíssimos alicerces de ilusão, paredes espessas de puro concreto de tédio e ódio, teto do mais transparente vidro... Muito mais belo que um lar suntuoso de mentira é qualquer paredinha de adobe, desde que de verdade.

 Mas estava lá o animal, grotesco e frágil, caminhando sobre a corda bamba, vivo porque a sorte o permitira. E observava ainda mais como a pequena casa do topo da montanha tinha um quê de realidade mágica, magnânima. Parecia intocável, impenetrável, desafiante e intransigente. Fulgurava junto às estrelas, dançava junto ao vento, sorria junto à lua e brincava de sumir e surgir toda manhã com a névoa branca, com o orvalho azulado, sorrindo para o condor que nela havia feito morada. Ela era simples, mas era verdade.

Enquanto isso a corda bamba tremia diante da insustentável leveza do animal. Era melhor fechar os olhos para não sentir a vertigem diante de tão perigosa estrutura e tão assombroso abismo. A gente não raro constrói nossas decisões em ideários tão trêmulos, tão fictícios, tão fajutos, e para eles fechamos os olhos como se, por não o vermos, fingimos não existirem... Muito mais belo que simplesmente caminhar o caminho dos outros é criar e seguir o seu próprio, de olhos bem abertos, pois que enquanto ele for verdadeiro, triunfará sobre qualquer corda bamba, será vitorioso sobre qualquer abismo.

E a casa o olhava, lá de cima, estática, despreocupada, destemida, entrincheirada em sua posição gloriosa e firme. É por isso que, para não perecer em precipícios, é fundamental ter raízes. Ao mesmo tempo, é fundamental ser grotesco e frágil para entender que se é. Se é.