Chorei. Chorei mesmo, garanto. Pensando que
iria escrever sobre o agora e o passado, não me contive em analisar a razão de
poder-querer-saber chorar, quis entender bem o que estava se passando. Então me
peguei ouvindo uma música antiga, daquelas que é bom que só se escute poucas
vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar. Aliás, se preferível, é melhor que
poucas pessoas a conheçam, não por frescura ou preciosismo, longe de mim querer
me gabar por uma coisa que não fui nem eu que fiz, mas porque parece que ela
fica um pouco mais sua e ela meio que se entrelaça mais facilmente com as
memórias dos momentos que você viveu: onde viveu, com quem viveu, que gosto
tinha... Acho que dá saudade até mesmo de quem eu era. No fim das contas, a
juventude é uma coisa tão bonita quanto fugaz, chega sem avisar e vai embora
sem dar adeus, assim, muito rapidamente, reverberando em todo lugar que ela se
fez presente e ora se faz ausente. Pensando bem, acho que só é tão bom porque
são poucas vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar.
Aí foi tipo uma avalanche. Não de gelo
porque eu nem sei o diâmetro de uma bola de neve suficiente pra sufocar uma
pessoa, metáfora que pra mim não cabe – se derrete – no calor dos infernos que
faz em Natal. Mas enfim, foi tipo isso, como uma surra, não importa a figura. E
lágrimas vertiam tal qual vertem agora enquanto escrevo, tal qual me
encharcaram quando assisti dia desses O pequeno príncipe. Igual como quando a
pessoa descobre que estamos do lado de cá e de lá da cerca que aprisiona um
refugiado, um criminoso, um perseguido, um inválido ou um sonhador frustrado, o
tempo inteiro. Vish, se nessa vida a gente tivesse um tempinho só pra realizar
o quão dolorosas são nossas limitações diante da nossa própria existência e,
achando pouco, a gente ainda inventa de limitar a existência do outro... Aí sim
é que dá vontade de chorar, não por pena, não por compaixão, mas por sentimento
de impotência mesmo, de pouco poder fazer pra que o outro entenda que ele é o
outro, que eu sou você e vice-versa, o tempo inteiro. Acho que eu não tenho
dimensão do que é uma avalanche porque coisas complexas demais, tipo a vida,
precisam lhe sufocar mesmo para que você as respeite.
A juventude né? Estava falando sobre ela,
que só há uma por mais que a gente queira muitas, que passou voando e nem deu
pra ver direito sobre o que se tratava. Eu não tenho condições morais de dar
conselho a ninguém, ninguém mesmo, sobre nada, minha boca calada já me trouxe
muito mais prestígio que desde o dia em que resolvi deixá-la aberta. Bom, mas
mesmo sem condições de dar sugestão, lá vai uma: “deixe o cara”. Deixe o cara
ser besta, ele é novo e isso é sintomático. Não limite a existência de alguém
que não tem nada a ver com a sua própria. Claro que essa é uma colocação genérica,
não defendo a imprudência, a negligência e a má-fé como irmãs da liberdade; ser
livre tem outras concepções que podem envolver inclusive a estupidez, desde que
essa ‘característica’ não compartilhe seus efeitos danosos sobre os outros. Digo
isso porque se alguém tivesse tentado me impedir de fazer qualquer das coisas
teoricamente estúpidas que fiz na minha juventude e pelas quais estou hoje
saudosista, nossa, seria eu muito mais frustrado. Esse negócio de construir
cerca pra colocar os outros lá dentro e nunca se colocar não está com nada. Se
tiver uma cerca, eu to em cima dela, pode apostar.
Foi muito bom tudo isso. Chorar, entender o
motivo do choro, ficar com saudade, ouvir uma música boa e que lembra muita
coisa boa. Tem até um documentário contando a história de um cara que
literalmente trazia de volta à vida pessoas com alzheimer e outros velhinhos
com variados tipos de demência apenas colocando-os para ouvir as músicas que
fizeram parte de sua juventude. Fantástico. A gente se desprende de tanto
durante a vida, ideias, símbolos, datas, pessoas, mas acho que eles não se
desprendem tão facilmente da gente assim não, suspeito eu. É muito bom quando a
gente descobre que a vida é curtinha assim, chorando de avalanche - ou surra - de saudade boa. Acho que só
é tão bom porque são poucas vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar.
Isaac N