Pode parecer meio viajado, ou viajado até demais, mas você já parou para pensar como é esquisito o nascimento? Não estou falando SÓ do nascimento de um bebê, mas do nascimento das coisas e seres em geral. O da plantinha, o do boi, o do menino chorão. O do adulto chorão, o das cachoeiras, das montanhas, dos tsunamis, dos furacões. O nascimento da pedrinha, do microbiozinho, do vírus, do planeta ali do lado, do lodo que gruda na tigela de água onde seu gatinho, que também nasceu um dia, bebe água. Da água mesmo, do ar, da terra. Tudo nasce, tudo era uma coisa e passou, de uma hora para outra, a ser outra, assim, quase que do nada.
Claro, não é sem motivo que um bebê nasce ou que você se
descobre uma outra pessoa. Tem muitos processos acontecendo o tempo inteiro para
que coisas nasçam a partir de outras coisas, que vão se juntando, se misturando
para depois virar outras coisas e assim sucessivamente, para todo o SEMPRE. E é
legal imaginar que essa é a única forma que a palavra SEMPRE realmente se
aplica. Não é do jeito que a nossa metafísica limitada acha que as coisas duram
para “sempre”, porque nada dura para “sempre”, mas sim, que as coisas SEMPRE
mudarão. Vai lá no inglês e me diga com que parece a palavra Always: “de todo jeito” ou “todos os
caminhos”. Eu nem sei se vem daí essa palavra, pois eu só sei falar inglês o suficiente
para não morrer de fome e sede por uns dois dias, mas o que eu quero dizer é que SEMPRE quer
dizer “vai mudar”, de todo jeito.
E nesse processo eterno de nascer uma coisa que era outra, a
gente pega muita, mas muita carona. Afinal, queira você ou não, a diferença
entre uma poça de lama e uma pessoa é meramente de organização das coisas
minúsculas que juntas vão dizer se você é uma poça de lama ou uma pessoa. Os
astrônomos poetizaram isso, dizem que nós somos “poeira de estrelas”. David
Bowie, holístico, já meteu Stardust no
meio de suas canções e assim todo mundo agora sabe que, de alguma forma, é
também parte dela, dessa matéria que vaga no universo e que acontece de formar
você e eu, justo aqui e justo agora.
Então é assim, todo mundo se inaugura, partindo de algo que
era antes e que agora vai ser outra coisa. Entre nascer um microbiozinho e um
furacão, nasce um homem que larga tudo que lhe era caro por conta de um
trabalho novo, inaugura-se uma pessoa apaixonada, nascem desapontamentos, nasce
um ansioso, nasce tristeza e nasce alegria nas incríveis coisas novas que esse homem nunca esperaria viver. Inauguramos versões de nós mesmos
para poder viver o nosso tão curto “sempre” da melhor forma possível. E convenhamos, é muito
curto esse tempinho aqui no meio de tudo que não é nosso nem nunca vai ser para
se negar a aceitar que essa inconstância é a única constância que existe, que dá
tempo ser muita coisa antes de ir de vez e de fechar os olhos para nem ver mais
o que seguiu nascendo. Aprendizado, é esse o outro nome dessa inauguração tão festiva e dolorosa.
Por isso que é tão bom conhecer lugares novos quando dá. Assim como é ótimo desistir do filme no meio do cinema, sair das roubadas, pular as
fogueiras. Pegar uma estrada desconhecida, pular uma cerca. Querendo, dá para inaugurar
um universo novo todo dia, dá para fazer nascer o inédito. Porque no
fundo - e daqui a pouco - todo mundo é e vai ser SEMPRE poeira.