Todo rascunho é um trabalho; um desenho mal acabado também
tem qualidade. As linhas mal tracejadas, os sons não tão harmônicos, as
palavras soltas, os passarinhos seguindo suas rotas pelo instinto, tal qual os pintores
dos céus que os fizeram vermelho no crepúsculo e azul clarinho na manhã cheia
de assobios. Eu me imagino no meio de um rascunho de vida, no meio de um
projeto bem pensado, mas bem pouco executado. E é esse quê de interminado,
indeterminado, incomum que me atrai – e também me trai, com o perdão do pobre
trocadilho.
Interminado porque me parece que nunca os espaços estão
preenchidos, há sempre uma tatuagem nova por fazer na pele e dentro dela também.
Sempre uma viagem nova a provar, sempre o novo a se revelar pela lente, pela
leitura, pela palavra, pois nada está totalmente terminado. Indeterminado
porque não existem marcas, nacionalidades, estirpe, cor, sexo, classe,
categoria, cargo, papel; nós somos o arremedo daquilo que mais tememos ser, o
nada. Eu sou um projeto do nada. Um rascunho daquilo que vai se apagar ou se
preencher, mas que absolutamente indeterminado, pois pode vir a ter qualquer
forma. Incomum, porque nem minha mente me pertence, ela é projeto dos desígnios
ulteriores e insuperáveis dos recônditos do meu desejo, bem prolixo assim,
transtornado assim, mas simples assim também.
Passarinho que voa para outro continente ou outra árvore em
busca de alimento, passarinho que voa para se encontrar, se alimentar, que
precisa de asas tanto quanto eu preciso de palavras para achar o calor e a paz
no caos.
Quando tudo isso se acabar, e eu presumo que seja logo, eu
quero que esse rascunho continue incompleto, pois essa é senão minha melhor
qualidade, é a coisa da qual sou mais capaz ou que mais me representa.
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