Eu não escolhi ser o que sou.
Acho que ninguém ‘escolhe’ ser uma espécie de alguma coisa. A gente, no máximo,
toma uns caminhos que consideramos certos e aguardamos para ver o que sai dali,
se é algo certinho, algo completamente fora do imaginado ou qualquer uma das
infinitas hipóteses do meio. O resto é dado pelo universo mesmo: um espaço-tempo guardados para a sua vida e a consciência para saber que você está nela.
No mais não há nada que possa ser feito para alterar essas duas circunstâncias. Pelo menos é nessa simplicidade que me baseio e que julgo ser razoavelmente válida caso uma pessoa não queira depender da ação ou omissão de entidades outras.
Bom, eu não escolhi muitos dos
meus caminhos, acho que foi isso que quis dizer, reformulando e simplificando o pensamento anterior.
Eu nasci do jeito que nasci, onde nasci, dentro de uma específica estrutura
criada pelos outros que vieram antes de mim e que acham que têm o poder de
exercer a autoridade do passado para os dilemas do futuro, o qual obviamente
não lhes pertence. Os genes são meus, eu os assumo daqui por diante, ok? Mas também não era isso que eu tinha em mente quando comecei nessa reflexão existencial.
O fato é que fui levado por essas
espécies de decisões minhas e dos outros – certas, não certas ou qualquer uma das infinitas
opções entre uma e outra – ao ponto onde estou agora, diante de um
aparelho telefônico que, ao passo em que vibra, me quebra como cristal frágil.
Como uma estrela que entra em um buraco negro e se dissipa, como uma escultura
de gelo que se derrete e nunca mais vai ser, como o néctar da flor que não é mais depois que a borboleta o suga.
Lembro que quando era mais moço, mais
moleque mesmo, tinha esse medo quando me sentia na iminência de um castigo ou
de um acidente causado pela minha negligência às regras naturais e não naturais
das coisas e das pessoas. Gosto desses momentos introspectivos em que
redescubro os medos e angústias que tinha quando criança, até porque na verdade
não deixei de ser o mesmo menino pessimista que temia o anúncio da morte
ou de coisa pior quando o galo do vizinho do meu avô cantava à noite. Ou o mesmo
garoto criativo e assombrado que via na sombra das árvores alinhadas no
horizonte galinhas gigantes e devoradoras de cérebros perseguindo o carro em
movimento.
Essa divisão entre adulto e
criança eu considero algo criminoso, como se fôssemos duas pessoas diferentes.
Viver em módulos, é esse o propósito? Naquele primeiro não era eu porque hoje
eu raciocino dessa forma e amanhã não serei também eu porque raciocinarei
doutra. O adulto é na verdade uma versão piorada da criança, uma versão de você
mesmo que envelheceu e ficou mais feio, mais chato, mais esquecido, mais
insistente, mais preconceituoso, mais pobre porque acha que riqueza é ter
dinheiro. Não, eu ainda sou a mesma criança e até digo isso para as pessoas que
se arriscam a me aturar, que esperem de mim racionalidade mas sobretudo sentimento.
Tenho 27 anos, sou pessimista, criativo
e assombrado e é basicamente algo que você ou minha mãe poderiam saber desde
que eu me entendi por gente.
E naquele momento diante do
telefonema, não existia mais ressaca senão pura embriaguez de justamente o quê?
Criatividade pelas milhões de possibilidades do que aquilo representava ou
poderia representar, mas a plena certeza de que não era algo bom e o medo
correspondente disso tudo trincando meus dentes e fazendo aquela agonia de
vidro frágil, buraco negro, escultura de gelo derretendo e todos os et ceteras
possíveis e não verbalizáveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário