Cora Coralina disse uma vez que é preciso que alguém reveja,
escreva e assine os autos do passado antes que alguém leve tudo a raso. Que
sabedoria a dessa mulher, não? Ouso dizer que até mesmo as tragédias têm um
lirismo perfeito: a minha dor me é tão cara que eu posso viver sem um braço,
mas não sem ela. Seja em matéria de grandes feitos ou de pequenos martírios, o
passado é mais que direito: é essência do que somos formados, rocha de nosso
chão ou basicamente o que nos separa de um pedaço de carne que só anda e fala.
Autores, revisores e leitores assíduos desse nosso pequeno sopro chamado existência, escrito todo dia no papel da inexorável marcha do tempo. Nós somos também pilotos desse corpo e a nós nos compete tomar o rumo: um caminho
que não só tem um fim certo, mas também uma única chance de ser bem percorrido,
afinal todo segundo que se vive é o último e o único ao qual somos obrigados.
E essa história, o passado, é feita todo o tempo, se
morrendo para se viver; são pequenos suicídios que a gente comete para corrigir
os rumos, retomar as rédeas de si, every single
day. Doses diárias de coragem são necessárias para que o eu seja sempre eu
e não qualquer outro errante perdido por aí. Doses tão fortes que
parte de nós vai junto com as decisões: em matéria de vícios, relacionamentos e
empregos, é preciso deixar morrer certas coisas antes que elas te morram.
Sou meu passado, mas sou ainda mais meu futuro. Ora, todo santo dia é o dia para fazer o maravilhoso acontecer. Todo santo dia é o
momento de se obrigar a não fazer nada menos que o maravilhoso de nossas vidas e,
por consequência, da vida dos outros que nos cercam e ainda das que podemos tocar com nossos atos. Vejamos, escrevamos e assinemos nossas histórias com orgulho
de tê-las feito da melhor maneira que pudemos em cada pequena ou grande decisão. Que o arrependimento e o perdão sejam os ensinamentos necessários para melhorar essa escrita a cada nova página, a cada nova obra.
É bom lembrar que toda história tem um único fim, mas a
beleza que existe no meio é culpa da cor da tinta e da habilidade do pintor. Quem
não faz isso, não decide o que é o melhor para sua história a cada segundo, é
melhor logo se considerar um pedaço de carne que só anda e fala. Isso vale desde o dia em que se nasce ao dia em que se vai de vez.
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