Naquela tarde, a água escorria por sob meus cabelos enquanto uma valsa ressoava bamboleante em meu ouvido. Uma valsa em violino, piano, acordeon e violoncelo, ritmo forte, sensação de rodopio, acordes delicadamente trabalhados, burilados pelas mãos dessas pessoas geniais que nascem com os ouvidos canonizados, certamente sobrenaturais. E nesse momento, nesse exato momento em que o acordeon tocava a todo pique, a água da chuva escorria por sob os cabelos, dando um toque malandro para aquele rodopio conduzido pela valsa; pela dança conduzida no arrepio.
Sim porque fez muito frio. A chuva parecia querer me abraçar, me tomar pela mão e dançar comigo aquela ciranda erudita, zombando de tudo e de todos aqueles que a tratavam como um infortúnio, numa espécie de vingança por terem esquecido que a chuva é mesmo para ser acompanhada por uma valsa. Ora, se fosse eu o deus da chuva, também castigaria esse povo que perversamente transformou minha maior dádiva em temor. Bradaria com todos os trovões porque o homem perdeu o prazer que só a chuva proporciona, - Eu, que me esforço tanto, eu que sou solúvel em física e em metáfora, faço sangrar as têmporas para construí-la e entregá-la sem custo algum ao solo, esse pobre maltratado pelos pés sujos dos mesmos humanos que agora me maldizem. Raios.
E enquanto todos voam eu passo devagar, esperando quem sabe alguma lei natural tão substancial quanto a lei da chuva, que essa lei venha me tomar para um outro passeio, mais uma contemplação sensorial. No fim e no início, chuva é conexão: entre céu e chão, entre a semente e o pão, entre o compositor daquela valsa que ainda me fazia rodar e eu. Afinal de contas, a menor distância entre dois pontos é sempre a chuva.
Isaac N
24 de março de 2012
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