Sou uma criança presa no corpo
de um adulto. É difícil dizer isso assim, em voz alta, ainda mais nesses tempos em que a gente
se obriga tanto, se briga tanto, se cobra tanto, se reprime tanto. Porém, esse é um daqueles
pensamentos recorrentes que a gente insiste em tratar como incontestável em
algum lugar da insana consciência: eu sou uma criança presa no corpo de um
adulto. Simples assim.
Criança, pois, como gosto de dizer, eu sou
eu e minhas circunstâncias. Circunstâncias essas tão graves quanto aquelas dos
pequenos quando sofrem por não encontrar respostas para suas dúvidas tão absurdamente
recorrentes, por não poder brincar com o tempo pois ele é na verdade o senhor de
todas as brincadeiras e, portanto, ignora todos os pleitos dos perdedores
desesperados como se dono da completa existência fosse. Por não saber perder
uma briga e por me perder sempre em outras confusões, de novo e de novo
todos os dias. Por me doer com a falta e com o desamor, por me sentir incompleto se me faltar a
dor e o amor.
Criança por saber que a única
coisa que me separa dos drogados, degradados, exilados, refugiados, perdidos,
dos loucos e dos lazarentos, famintos e sedentos, putos de todas as cores,
idades, gêneros, identidades, raças, formas, tamanhos e credos é o acaso, a
circunstância.
Criança porque cada dia que passa
tenho convicção que a própria existência é fruto desse acaso completo que os
adultos insistem em tentar classificar e separar para depois oprimir. Pois que nessa
vida as chances das coisas darem certo são absurdamente pequenas porque
dependem justamente de outros milhares de completos acasos. Não existe tal
conceito, harmonia, pois aparentemente nada foi pensado para ser harmonioso
senão aleatório e louco. É só parar para imaginar no quanto de caos e beleza
existe em um raio de um quilômetro ao seu redor ou na quantidade absurda de
maneiras de ser o que se é dentro de um só cômodo.
Se para ser adulto for necessário tomar o
caminho contrário de tudo isso, se para ser adulto for mandatório obedecer às regras que só existem para reprimir e oprimir, se para ser adulto for necessário
falar apenas a língua da minha verdade sobre todas as outras, desculpem-me, mas prefiro dizer em voz bem alta que vou continuar criança para sempre.
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