segunda-feira, 27 de junho de 2022

A luz acesa no teto da sala.


Então você nasce. Assim, simplesmente nasce. Acenderam um interruptor e agora aquela luz no teto da sala que vê e escuta, que toca e é tocado, é você. Brilhando todo dia sem saber o porquê e o como, vendo as coisas ao seu redor existirem e você supostamente tendo que fazer alguma coisa a respeito delas: comê-las, se defender delas, usá-las como arma para conquistar alguma coisa, às vezes todas ao mesmo tempo, às vezes nenhuma delas. Até que um dia um dia você olha para o espelho e diz, “esse sou eu”, esse nariz feio é meu, esse andar esquisito de como quem está pulando é meu, esse desconforto de não saber olhar as pessoas no olho é meu, a incapacidade de dizer não em muitos momentos e a vontade de agradar todo mundo ainda que custe a minha própria saúde são minhas. E é claro que tudo que é seu é também produto dos meios que lhe criaram, afinal você também aprende que da semente do feijão vai nascer outro feijão. Mas não é o mesmo feijão, é outro, só que parecido. Um feijão que é introspectivo e guarda as mágoas sem saber se abrir, igual ao meu pai, e dependente da companhia de alguém ainda que esse alguém seja ruim para mim, igual à minha mãe.

Você também aprende que aquele interruptor pode ser desligado, mas mesmo assim não desliga - ou não tem coragem de desligar. Sua luz ilumina outras pessoas e você sabe que a tristeza não é outra coisa senão o outro lado da alegria, assim como o frio da luz apagada é só o outro lado do cheiro e da cor dela acesa. E também porque, se você pensar bem, há outras formas menos dolorosas de enxergar o escuro e de fazer com que o seu redor tenha mais beleza e mais prazer.

Afinal de contas, de um ponto de vista, você nunca se mexeu, tudo se mexeu o tempo inteiro na sua frente com a sua participação. Igual à luz no teto da sala, você viu a sua vida acontecer na sua frente e embora os outros digam que você está se mexendo, você viu tudo isso pelo seu olhar, pela sua luz. É por isso que não dá para fugir dos problemas, afinal você em Paris, em Roraima ou em Varginha é ainda você. Apague a luz e ainda vai ser você. Too bad.

É esse, então, o único e o grande custo da sua luz: o dever de enxergar as coisas de forma diferente é de ninguém senão seu. As mágoas guardadas, a introspecção do pai ou a carência afetiva da mãe são minhas também, elas são algumas das coisas que a minha luz enxerga, mas o peso de querer viver nessas circunstâncias é meu enquanto aquele interruptor estiver aceso. Essa mesma luz que no espelho diz “esse sou eu”, deixa que eu faça tudo para brilhar ainda mais, me libertar, experimentar, fazer diferente, ousar, criar, passar uma tinta rosa no meio da cara como se fosse carnaval, tocar as flores mais bonitas e coloridas do jardim, sair na rua vestido de um novo eu, dançando e andando com pulinhos ouvindo gloria groove. No fim das contas, a constatação é essa: é ridícula a quantidade de coisas que dá para enxergar por uma luz só no teto da sala. Ufa, ainda bem!