quarta-feira, 30 de junho de 2010

Quase não lembro o dia em que você me parou na estação.

O chão do quarto ainda está cheio de seus passos
E eu consigo vê-los em câmera lenta.
Ainda consigo sentir os seus abraços
Os seus dedos, o seu pescoço, sua boca.

E eu que estou sempre à sua espera
Ao mesmo tempo não descanso
Pois estou à sua procura
Ao avesso, em reverso, lembrando.

Imaginando...

Como você chegou aqui assim?
O que você queria de mim?
Quase não lembro o dia em que você me parou na estação.
Estava tão claro, calmo, e de repente se fez furacão.

Um frio, um calafrio
Perdi a aposta. Dias de derrotas.
Minhas viagens e passagens e bilhetes
Não me dão entrada em nenhum lugar
Exceto a solidão.

Os seus olhos e bocas e línguas
Suas falas e beijos e gestos ordenados
Seus apegos e desejos e dedos cruzados
Seus movimentos na lua crescente
De um céu azul desbotado

Como você chegou aqui assim?
O que você queria de mim?
Quase não lembro o dia em que você me parou na estação.
Estava tão claro, calmo, e de repente se fez furacão.

E a poesia se congela no mesmo instante
Em que você me deixa sublime e me deixa.
Você que me faz presença e faz falta.
Vai buscar outro cigarro, outro otário.
Outro que lhe deixe dinheiro na mesa.

Eu não devia ter você hoje.
Você precisava não voltar
Mas eu nunca cumpri com meus deveres.
E você nunca foi de precisar.


Isaac N

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Amor e(m) Guerra

Amo você não é de hoje. Não é de ontem, nem de anteontem.

Tenho a sensação de que esse amor já vinha sendo criado desde o começo dos tempos, e vinha flutuando no espaço, no mar, se arrastando no vento. Vinha sendo saboreado pelos outros quando o cheiro da chuva invadia a rua deserta e a terra seca do sertão. Ele já foi provado pelo degustador de vinhos mais exigente, que no seu momento de êxtase invocava o divino para proclamar a criação de Baco. Já foi sentido pelo mais fiel dos crentes e pelo mais infiel dos ateus.

Esse amor veio de trem junto com o poeta mais romântico. Ele foi com certeza a inspiração de Baudelaire. Ele estava nos dedos de Beethoven e na voz de John Lennon. Ele estava lá, não duvide.

Ele já provocou guerras, ele já separou nações. Ele costumava fazer loucuras nas mãos de sãos e de deixar mais insanos ainda os doentes mentais, tudo para provar que seus caprichos e vontades eram ilimitados. Ah, seus devaneios. Eu sei que ele gosta de sangrar, de fazer sentir volúpia , de derramar-se e transformar-se em carne trêmula. Eu sei que ele cheira a suor, e que tem gosto de sal, mas que pode ser mais amargo que terra, que pólvora. Sei que sua lâmina afiada perfura qualquer corpo, esteja vivo ou esteja morto.

Esse mesmo amor aguerrido, lutador, pioneiro. Ele mesmo. Ele que é ente, que está a mercê de nossa própria ignorância, ele que me fez te amar. Ele que é arriscado. Que está riscado no papel parede da minha casa.

Ele é você, que me deixa te amar, em meio a esse encontro inusitado de almas, bem no estilo rosa e cravo. Garanto que vou mirar e atirar com todo o prazer. Seja paz ou na guerra, não esqueça do perigo que ele traz, e no estrago que ele faz.


Isaac N

sábado, 19 de junho de 2010

Feito In Memorian (FIM)

Tu que és produto do imaginário,
Não és físico, nem metafísico,
É, pois, paradoxal em sua essência.
A linguagem lhe dá forma, cadência,
quando nos faz sombra ainda no claro.

As suas portas se fecharam.
Os seus armários estão vazios.
Por que viestes tão sóbrio?
Por que não me deixas teu ópio?
Por que tuas janelas se quebraram?

Eu que devo seguir teu prelúdio.
Eu que devo amar os teus desfechos.
Tu que és irritantemente monofônico
Eu que estou irritantemente atônito
Aceito tudo que me trouxer proveitos.

Este é o início do seu legado
Estagnado, opaco e resignado,
Frio, dark, amargo.
Branco em preto.

Não tenhas dúvida que te recordarei.
Certamente te idolatrarei.
Hoje só quero olvidar-te.
Hoje não quero nunca amar-te.

Irei desatar os teus laços
Enquanto encobrirás meus erros.
Vestirei-me de branco, sem medo
E serei teu filho.

Tua prole, a mais insegura.
Este futuro, o mais valioso.

Estou diante do teu machado.
E já aceitei a tua sentença.

Finalize-me.



#Ao meu amigo PC, que os fins não sejam amargos.