quarta-feira, 9 de agosto de 2017

Ah, essa cidade.

Da janela eu vejo que o sol não saiu ainda e aquela penumbra típica de um início de manhã gelada paira no ar por sobre os prédios que escondem as montanhas e por entre as árvores que quase nunca se mexem. Ah, essa cidade, fria e que leva a beleza do panorama bucólico em seu próprio nome próprio. Fria como a solidão, dura e impassível, dedo em riste na sua cara mostrando impávida sua força enquanto ri do degredo que é a vida ainda que cercada de milhões de outras pessoas.

Mas convenhamos, a culpa da solidão não é da cidade fria. Ah, essa cidade, até mesmo a mais tropical das praias é um deserto para um coração gelado. A culpa não é da ausência, porque afinal a falta nos motiva e nos desestimula, nos move e nos para; a falta é inerente a essa sociedade pautada em consumo, se ele lhe preenche, ou quanto custa a sua paz. Em tempos onde a ilusão de que a felicidade cabe numa rede social, a ausência é também o combustível da mentira que escolhemos para justificar erros e defeitos, sendo que o principal deles é o de estar sempre insatisfeito; parece sempre faltar algo nesse suposto sonho de existir. Sempre falta algo que se pareça com a muita cor e o muito sorrir daquelas frias fotos irreais na tela de um celular.

Repleta de ausências, paira da janela a falta de calor, de cor, de vento. Ah, essa cidade, que lhe aponta o dedo mostrando sua fraqueza e lhe bambeia as pernas, lhe causa aflição sem a menor piedade. 

Mas, pensando bem, e você há de concordar comigo, a culpa de sofrer de tristeza mesmo é só uma: da beleza da vida. E esse paradoxo é bonito demais, afinal quem mandou ser tão bom ter nascido no lugar mais bonito desse mundo que é justamente esse mundo? Ah, essa cidade. Feche o olho, tem coisa melhor do que se lembrar só de coisa boa? Dos dias em que você faz do seu lugar o seu gozo, sua morada, seu alimento? Do sabor que lhe sacia, da água que lhe preenche, do fogo que é o abraço de quem você ama? 

Não existe cidade vazia se o problema não é a cidade. O problema são os corações que batem naquela cidade, mas que podem bater em qualquer lugar onde corações sejam capazes de bater. O problema mesmo são aqueles sorrisos, mas que sorrirão onde quer que sorrisos possam ser dados e desde que seja bom sorrir. O problema é o amor, mas que pode ser amado em qualquer lugar onde o amor puder sobreviver. Ah, essa cidade, que doce é nela padecer; que a falta não me deixe nunca ceder.


sábado, 18 de fevereiro de 2017

Da cidade natal ao futuro

Eu nem vi se era mesmo belo aquele horizonte, mas eu senti a cidade à minha frente, o topo dos edifícios, o barulho, o calor e o sabor do vento. O fato é que ela estava lá, altiva, viva, pulsante e parada, distante e perto, enquanto eu em crise de ausência crônica, como alguém que morreu e não descobriu, uma alma penada e parada em pé sob o sol escaldante das 11 da manhã.

Engraçado começar um texto assim, falando de coisas que só têm sentido em se vivendo e terminar se comparando a estar morto. Mas se você olhar bem, a gente é mesmo essa coisa ambígua: vilão e heroi. Eu sou o meu lobo, eu me mordo e eu me mato ao passo em que apenas sou refém do que sinto. E quem consegue parar isso, não é mesmo? Quem senão eu para melhor me destruir com minhas próprias armas? Não sou apenas um lobo, mas o meu melhor lobo. 11 e meia da manhã eu era o maior dos meus infortúnios.

E foi nessa hora que me perguntei: a gente é para quê? Para ter um filho e dá-lo ao sofrimento? Para cumprir com alguma missão que vai envolver necessariamente a dor da perda? Para servir a alguém maior que eu? Ou a um ideal maior que eu? Até o meio dia, eu acho que nada mais tinha mudado exceto o sol que agora queimava mais, embora o sentisse menos. E até uma da tarde morri de saudade do que vivi, do que não vivi também. Chorei pelos amigos, pelos amores, pela família, não de arrependimento ou tardia epifania qualquer, mas por singela saudade até daquilo que era ruim e que passou.

Aí eu percebi o quão bom é refletir para irradiar, tal como um espelho limpo e lavado. Chorar, botar para fora, lembrar com carinho, pois tudo é para fortalecer. Do jeito que uma e meia da tarde eu estaria de pé, estático, impávido e colosso, engrandecido porque, se vale a pena qualquer coisa, repito, qualquer coisa, é só para se ter o que se ama.

Eu nem vi se era mesmo belo aquele horizonte, mas esse nome me pareceu um vaticínio: assim como minha cidade natal é e sempre será meu ninho, será bonito o futuro daqui para frente. E nele estarão comigo todos os que aqui quiserem estar e ainda aqueles que eu guardo de corpo e alma, porque só por eles vale qualquer esforço. Qualquer um.