segunda-feira, 21 de dezembro de 2015

Porque eu preciso sair de nós.

Eu preciso sair de nós. Não é como se você não me deixasse ir, é mais como se eu não quisesse, não pudesse. Eu preciso voar, por aqui mesmo sabe? Aqui dentro, onde a gente fez gaiola pra nossas aves silvestres, selvagens, rapinas e ladras de muitos amigos e amores. Ninguém quer viver assim tão enclausuradas, coitadas. Paradoxo é serem tão lindas e tão sofridas assim. Dá para ver nos olhos meus, nos nossos, o óbvio: era preciso sair de nós. É como dizia Nando Reis, tornar o amor real é expulsá-lo de você para que ele possa ser de alguém. Só o amor eterniza e não há tempo algum sem o amor.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2015

Falta d'água. E de outras coisas.

Hoje faltou água. Não faltou água no planeta, nem na torneira, também tenho algum dinheiro guardado para comprar e, porra, é basicamente só ligar que alguém viria entregar a droga da água. Mas não. Mesmo assim, hoje faltou água.

Veja bem, a questão na verdade não tem nada a ver com a sede. Tem a ver com a maneira com que as coisas se repetem na vida. Tem a ver com a programação que essa mente faz para que os efeitos meramente secundários de um ato preguiçoso sejam prazerosos e viciantes, ainda que o resultado principal seja frio e doloroso. É muita autossabotagem numa pessoa só.

Na verdade minha queixa é contra a organização que a vida requer: amor, trabalho, estudo, sono, comida, água, sexo, tempo, sempre o tempo. O tudo versus o nada justamente quando meu nome é ninguém e meu sobrenome é o zero. Está tudo ao avesso, revirado. Não que eu ache que exista uma fórmula correta para qualquer coisa, mas pelo menos acho que não precisava ser um quebra-cabeça de infinitas peças. Quebrem minha cabeça, por favor!

Todo sentimento é uma bagunça e eles se parecem tanto, meu deus, com a pilha de cuecas sujas escondida dentro do guarda-roupa, e se parecem tanto com os trabalhos não terminados, e se parecem tanto com a incapacidade de se concentrar e se parecem tanto com a festa de ilusões desfeitas do coração... E com os atrasos, e com as dívidas, e com as angústias. É tudo tão confuso e tão soberbamente programado que eu só posso pensar que a vida tem um esquema do qual eu já devia ter sido excluído por absoluta incompetência.


É muita coisa para resolver, muito trabalho a fazer, sintoma a desvendar e porta aberta para fechar. Enquanto isso, enquanto não fazemos nada para mudar, vou aqui tratando meus sintomas um por um; a mente lotada de problemas e a geladeira vazia, afinal hoje faltou água. 

quarta-feira, 25 de novembro de 2015

A síndrome do eterno saudoso


Hoje vou falar de um tema sério: a saudade. Ter saudade é ter memória e ter memória é ter saudade. A mesma lembrança que ensina, educa, conecta e reconecta, é também absurdamente seletiva. Incrível como ela resgata o que foi muito bom, mas também o pior-que-péssimo, deixando um bocado de subjetividade não compreendida nas entrelinhas do sujeito. Subjetividades eleitas bem sem critério mesmo, ao léu, ou pelo menos quase isso. Diante de tanta incongruência, de tanta falta de senso e de uma incapacidade absurda de vencer os sentidos perversos que insistem em reconectar tudo a todo tempo, é capaz que qualquer pessoa possa se considerar como portadora de uma síndrome, a do eterno saudoso.

O primeiro sintoma dessa síndrome é a disposição para ouvir a discografia do Oasis. Dependendo da força com que chega, você passa a ouvir também a obra completa de Cranberries. Casos mais crônicos envolvem Pink Floyd e Nirvana, sem dúvida. É grave porque ela já começa em estado terminal então você nunca sabe o que vem em seguida, mas geralmente dá uma vontade de assistir filmes já vistos e de vibrar e sofrer com a procrastinação desse resgate cultural fora de hora. As condições evoluem rapidamente no paciente. Em poucos dias, você já passou dessa fase para uma pior: saudade do que nem existiu! Escolhas e possibilidades jogadas fora a troco de quê, você se pergunta. No fundo a resposta às vezes chega, às vezes não... por via das dúvidas, aqui vai uma terapia: viver é gastar, seja a chance desperdiçada ou a aproveitada.

Às vezes tenho a impressão que ela vira um órgão vivo no corpo da pessoa, preso em alguma parte ou em todas as partes. Certeza que a boca engole e regurgita a saudade. Às vezes acho que ela tem a forma de comida congelada guardada no freezer: você só precisa esquentar para se saciar de saudade. De manhã, no café, ela é o gosto do pó preto dentro da caneca, é o tempero de todos os sabores em todas as horas do dia. É o trânsito moroso e irritante, é o programa de rádio que faz questão de te lembrar como o tempo passa... e você não! É até o cheiro ambiguamente ruim e bom da própria saudade, seja no aroma de um perfume caro ou o de uma roupa esquecida no canto do quarto. É o frio da chuva e é o calor de um abraço, ao mesmo tempo.

A síndrome do eterno saudoso só tem um tratamento: criar novas e diferentes saudades. Busque logo um por-do-sol novo, uma praia diferente, um banho de chuva ainda mais frio, um outro pátio de colégio.

Busque logo porque você só é aquilo do que você se lembra.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

O agora é o passado.



Chorei. Chorei mesmo, garanto. Pensando que iria escrever sobre o agora e o passado, não me contive em analisar a razão de poder-querer-saber chorar, quis entender bem o que estava se passando. Então me peguei ouvindo uma música antiga, daquelas que é bom que só se escute poucas vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar. Aliás, se preferível, é melhor que poucas pessoas a conheçam, não por frescura ou preciosismo, longe de mim querer me gabar por uma coisa que não fui nem eu que fiz, mas porque parece que ela fica um pouco mais sua e ela meio que se entrelaça mais facilmente com as memórias dos momentos que você viveu: onde viveu, com quem viveu, que gosto tinha... Acho que dá saudade até mesmo de quem eu era. No fim das contas, a juventude é uma coisa tão bonita quanto fugaz, chega sem avisar e vai embora sem dar adeus, assim, muito rapidamente, reverberando em todo lugar que ela se fez presente e ora se faz ausente. Pensando bem, acho que só é tão bom porque são poucas vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar.

Aí foi tipo uma avalanche. Não de gelo porque eu nem sei o diâmetro de uma bola de neve suficiente pra sufocar uma pessoa, metáfora que pra mim não cabe – se derrete – no calor dos infernos que faz em Natal. Mas enfim, foi tipo isso, como uma surra, não importa a figura. E lágrimas vertiam tal qual vertem agora enquanto escrevo, tal qual me encharcaram quando assisti dia desses O pequeno príncipe. Igual como quando a pessoa descobre que estamos do lado de cá e de lá da cerca que aprisiona um refugiado, um criminoso, um perseguido, um inválido ou um sonhador frustrado, o tempo inteiro. Vish, se nessa vida a gente tivesse um tempinho só pra realizar o quão dolorosas são nossas limitações diante da nossa própria existência e, achando pouco, a gente ainda inventa de limitar a existência do outro... Aí sim é que dá vontade de chorar, não por pena, não por compaixão, mas por sentimento de impotência mesmo, de pouco poder fazer pra que o outro entenda que ele é o outro, que eu sou você e vice-versa, o tempo inteiro. Acho que eu não tenho dimensão do que é uma avalanche porque coisas complexas demais, tipo a vida, precisam lhe sufocar mesmo para que você as respeite.

A juventude né? Estava falando sobre ela, que só há uma por mais que a gente queira muitas, que passou voando e nem deu pra ver direito sobre o que se tratava. Eu não tenho condições morais de dar conselho a ninguém, ninguém mesmo, sobre nada, minha boca calada já me trouxe muito mais prestígio que desde o dia em que resolvi deixá-la aberta. Bom, mas mesmo sem condições de dar sugestão, lá vai uma: “deixe o cara”. Deixe o cara ser besta, ele é novo e isso é sintomático. Não limite a existência de alguém que não tem nada a ver com a sua própria. Claro que essa é uma colocação genérica, não defendo a imprudência, a negligência e a má-fé como irmãs da liberdade; ser livre tem outras concepções que podem envolver inclusive a estupidez, desde que essa ‘característica’ não compartilhe seus efeitos danosos sobre os outros. Digo isso porque se alguém tivesse tentado me impedir de fazer qualquer das coisas teoricamente estúpidas que fiz na minha juventude e pelas quais estou hoje saudosista, nossa, seria eu muito mais frustrado. Esse negócio de construir cerca pra colocar os outros lá dentro e nunca se colocar não está com nada. Se tiver uma cerca, eu to em cima dela, pode apostar.


Foi muito bom tudo isso. Chorar, entender o motivo do choro, ficar com saudade, ouvir uma música boa e que lembra muita coisa boa. Tem até um documentário contando a história de um cara que literalmente trazia de volta à vida pessoas com alzheimer e outros velhinhos com variados tipos de demência apenas colocando-os para ouvir as músicas que fizeram parte de sua juventude. Fantástico. A gente se desprende de tanto durante a vida, ideias, símbolos, datas, pessoas, mas acho que eles não se desprendem tão facilmente da gente assim não, suspeito eu. É muito bom quando a gente descobre que a vida é curtinha assim, chorando de avalanche - ou surra - de saudade boa. Acho que só é tão bom porque são poucas vezes mesmo, tipo assim, pra não estragar.

Isaac N

domingo, 6 de setembro de 2015

Alheio, pero no mucho.

Todos os dias temos que testar nossa capacidade de ser(mos) humano(s) de maneiras tão diversas que chega a ser cansativo de tanto nisso pensar, como diria um grande amigo que afirma: de nada adianta os problemáticos serem mais problemáticos que seus problemas. Eu até concordo com ele, tudo hoje é calculado, seja a contribuição que deliberadamente se decide dar ou não para o sujeito no sinal, seja o trabalho que se tem não sendo neutro quando alguém faz ou ri de uma injustiça. Está naquilo que você come, no que você conversa no elevador, é o que você usa para aliviar a dor, é a cota que você defende, o lixo que você separa, a água do seu banho quente, a iniquidade que você não compara. É o seu nome em um abaixo-assinado, os seus braços com a diferença dados, o seu corpo na linha de uma motosserra, as suas pernas por uma bicicleta e as suas mãos, bem, suas mãos entrelaçadas com as mãos de quem queira, sem verso, sem rima e sem regra.

É complicado mesmo não ser problemático diante de tantos problemas que parecem nem ter solução. Como é viver sem ter a consciência da amplitude do sofrimento alheio? Aliás, alheio nem designa bem essa grandeza de extensão corporal que se aplica às pertenencias territoriais. No fundo, o que me separa de um refugiado afogado no mediterrâneo é tão somente a sorte ou o azar de ter basicamente nascido num ponto x ou y do planeta. O que me separa de uma menina sequestrada e mutilada na África é tão somente ter nascido num ponto a ou b de um hemisfério. O que me separa de um criminoso é que ainda não inventaram penas para a minha inércia de poder fazer mais e não fazer, ou seja, admitir minha culpa por ser tão complacente com a álea satânica que determina o futuro de uma existência comum da qual eu mesmo dependo. Alheio é um conceito que não se aplica nesse mundo avatar tão complexo quanto o arranjo das constelações no céu ou um punhado de balas na terra.

Todos os dias temos que testar nossa capacidade de sermos mais humanos e dá para fazer isso sendo egoístas, afinal querer o bem do próximo é também querer que o mal dele não seja o teu um dia. Talvez isso torne o processo um pouco menos cansativo, não sei, o fato é que querer decência ao próximo e é espreitar no tempo a sua possível condição de fraqueza seja na senilidade ou na triste chance real do ocaso. Que a natureza ou alguém nos proteja quando essa chance real bater à nossa porta, quando o alheio deixar de ser ele para ser tu, para ser eu.




terça-feira, 19 de maio de 2015

Escrever é como ter saudade.


Escrever é um negócio difícil. Eu poderia nomear umas trezentas coisas mais fáceis e que a gente acha super complicado de se fazer. Dar mortal para trás, pilotar um avião, passar num concurso, cuidar de uma doença. Viajar sozinho, aprender um idioma novo, consertar uma torneira vazando, inventar uma teoria nova sobre o porquê da lua cheia ser mais bonita quando nasce imensa e amarela sobre o mar. Não que sejam coisas fáceis, apenas constato que escrever é um negócio difícil, é como ter saudade.

E é complicado porque escrever é uma coisa muito definitiva, das poucas coisas definitivas que a gente inventou. A gente vive com medo de ser esquecido e, aparentemente, a maneira mais efetiva de ser lembrado é quando alguém escreve seu nome, nem que seja sobre alguns segundos seus, sobre um momento, ou sobre alguns muitos momentos juntos. Parece até que a letra não tem medo do tempo, não tem esse nosso medo infantil de morrer, de se esvair, de desaparecer. Plante o nome de alguém num papel, numa carta, numa canção, numa flor ou numa tatuagem e será eternamente responsável por aquilo que cultivas.

Se escrever é momento, ele é também encontro. Se alguém leu, é porque dois mundos se viram e se abraçaram. Eu e meus erros, você e os seus acertos hão de resultar em alguma coisa diferente. Daqui a alguns anos ou quilômetros, nada será igual, é como aquela velha história que diz que nunca dois banhos de rio serão iguais, pois nem você nem o rio serão os mesmos quando voltarem a se encontrar. A natureza arranja uns jeitos criativos de conversar com a gente, de escrever suas marcas, ora indeléveis, ora duradouras. É como um iceberg, flutuando no oceano, se alterando a cada segundo.

Não quero comparar ninguém a um iceberg, há conotações escritas que não são muito bem valorizadas, infelizmente. Mas se você pensar como uma imensa rocha que é ao mesmo tempo firme e flexível; transparente e opaca; fria, mas forte; dura e mole, talvez entenda meu ponto. Eu escrevo porque me permito transformar. Eu me tatuo com meu alfabeto porque me permito escrever o mundo em mim. Eu danço porque meu corpo é uma extensão da minha mente fulgurosa, irrequieta, insolente, incansável. Eu sou resultado de minhas circunstâncias e de minhas consequências e, assim como uma aparente inabalável pedra de gelo no oceano, vou desaparecer um dia, mas até lá vou escrevendo minha história com esses dedos esguios. É difícil. É como ter saudade.


segunda-feira, 2 de março de 2015

O medo do fim e o fim do medo.


Fim, antes você me punha medo, hoje não mais. Calma, isso não é um gesto suicida, isso não é um apelo de atenção, não é pessimismo exagerado, não é um recado de qualquer sorte exceto para o porvir que possivelmente existirá mesmo que contra a minha própria vontade. Isso é um lembrete, uma carta de confrontação, um chamado ao conflito indissociável do passado, presente e do futuro que fatalmente se unirão no firmamento. 

Tenho a convicção que não fui feito para envelhecer, muito menos fui feito para ver meus amores envelhecerem, sou muito saudade para ser a minha própria esperança e muito egoísta para ser a esperança de alguém. Sei que é algo muito cruel de se pensar, mas infelizmente a realidade não me prova o contrário; só confirma as previsões de que tudo tende a desmoronar em caos, em lágrima, em luto, em fins melancólicos.

Não precisa me dizer, pois eu sei que isso é fraqueza. E com toda franqueza, prefiro admiti-la que reconhecer o falso heroísmo de ganhar mais umas horas de sobrevivência todo dia à custa da dor e do sofrimento de muitos outros. Não quero estar aqui para ver a tua terrível balança da justiça natural equilibrar de uma vez por todas o peso do homem que ocupa e mata tudo que possui, especialmente o amor. Coitado do amor.

Não quero vê-lo se desgastar e sumir com seu mais precioso dom que é o de nos tornar imortais, pois só ele eterniza. Qualquer minuto sem amor é um minuto perdido, entendeu? A vida não vale a pena um momento sequer se não for com amor e isso dá muito medo; medo de um dia vê-lo escorrendo pelas mãos, sem poder segurá-lo, sem poder sentir a força daquilo que é o único motor, verdadeiro instinto que não vale a pena domesticar. O amor é na verdade uma fera, é arte, admitamos isso e escapemos das convenções porque elas não são páreas para sua brilhante e tenaz selvageria. É melhor assim. Sério, é bem melhor assim.

Então, Fim, cuida de se apresentar com serenidade. Hoje não mais o temo, mas te admiro, pois sei que és tão belo quanto o canto de uma sereia. Se antes tinha medo do fim, esse é justamente o fim do medo. E isso não é um gesto suicida, isso não é um apelo de atenção, não é pessimismo exagerado, é tão somente uma simples, resignada, incompleta, macambúzia, carta de amor.

quinta-feira, 15 de janeiro de 2015

O instante em que a vida é intensidade.



Fechei os olhos para não ver o tamanho da queda, embora ela fosse mais que inevitável. Senti perder o equilíbrio, perder o controle dos movimentos, fechei os olhos para tentar mascarar a dor que vinha e BAM! Assisti tudo em slowmotion e por isso tenho detalhes para contar por mais de uma hora de um evento que durou pouco mais de um segundo.

Outro dia vi um filme em que a personagem dizia ter substituído todas as suas drogas por adrenalina quando perguntaram a razão dela ficar o dia inteiro sentada no parapeito de um prédio. E isso meio que me conectou a ela, àquele instante, pois às vezes parece que a gente sempre procura um precipício novo para encarar, todos os dias, em troca de algum sentimento, emoção, ilusão...

Não sou uma pessoa de muita sorte e talvez por isso - ou por ser desengonçado mesmo - me quebrei. Tinha cruzado os dedos para continuar vivo, já que cruzar os pés um no outro e cair, torcendo o tornozelo, não foi das manobras mais bem executadas. Mas também, todo skate devia ter manual de instrução do tipo: produto proibido para seres humanos, ou então, designado para fazer com que você dependa dos outros, substância impregnada de adrenalina e de atestados médicos... De qualquer maneira, tive que abrir os olhos depois da queda. E ali estávamos: eu, o chão, o skate virado com as rodas ainda girando do meu lado, algumas pessoas rindo ao fundo e o céu estrelado... Cara, e que céu! Juro que a parte boa desse slow motion natural é lembrar daquela noite estrelada. Parecia uma cortina de miçangas, sabe? Meio psicodélico, meio bonito demais para ser verdade. Nem a dor nem os analgésicos diminuiriam sua beleza.

Um amigo meu costumava falar que sua vida é uma eterna batalha para saber quem o mata primeiro: hipertensão, porque come tudo com muito sal, ou diabetes, porque o doce é algo que não tem limites. Eu não estou muito longe disso aí não: minhas expectativas para a vida são muito altas para me privar de alguma possibilidade. Já um outro amigo me dizia durante um trekking que, se dependesse dele, o Brasil era só um bando de pessoas morando ali nas redondezas de Porto Seguro, porque "diabo é quem tem coragem de dar a vida para desbravar uma terra cheia de bicho e mato". Quer dizer, bicho que pode te matar, mato que pode te matar.

Bom, concordo e discordo de ambos. Mais do que viver muito, quero viver intensamente. E isso aparentemente implica em diversificar as minhas opções de causa mortis, seja andando de skate, fazendo trilha no meio de bichos e matos, salto no canto mais fundo da cachoeira e do cais, viajando nesses aviões que cada vez caem mais, nesses ônibus que desafiam precipícios, nessas comidas salgadas ou nos outros muitos destrutivos vícios. Se você olhar bem, a todos os riscos do mundo podemos estar sujeitos, desde uma guerra no Paquistão ou um terremoto no Japão, uma nova doença ou uma velha vontade de se sentar no parapeito de um prédio.

É meio paradoxal e contraditório, mas não tenho medo da morte. Na verdade, são muitas as opções que eu dou além da hipertensão e da diabetes para que ela venha e me leve logo. Eu tenho medo mesmo é da possibilidade de me faltar a coragem para cair, de perder a vontade de me arriscar a cruzar os pés um no outro e sair bolando por aí, incerto das consequências. Não sei o que faria sem esses slow motions para apreciar a beleza estática e luminosa do céu estrelado, pois no fundo sou apenas um punhado da mais insignificante poeira do universo. Aquela poeira da qual todos somos feitos.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2015

Enquanto no escuro

Queria saber flutuar como uma pluma
Me sentir espuma, levitar.
Da gravidade ser amigo, dos planetas inimigo.
Ser avesso ao chão duro,
E mesmo no escuro, dançar.

Queria ser como a água, líquida
Ser fluida, infiltrada de todo jeito
me esconder nos buracos profundos
de onde espreito os becos e mundos
Testemunho do meu jogo perfeito.

Queria ser a vida para ser pluma e água
Até porque é assim que somos,
Esse é o destino que nos pauta
um astronauta que da superfície
não sente falta pois vive de sonhos.

Queria ser eu para não ser eu
Para não abrir os olhos e enxergar
Poder me afastar do meu centro
Pois lá dentro tem um menino
Que sempre só quis brincar.