domingo, 6 de setembro de 2015

Alheio, pero no mucho.

Todos os dias temos que testar nossa capacidade de ser(mos) humano(s) de maneiras tão diversas que chega a ser cansativo de tanto nisso pensar, como diria um grande amigo que afirma: de nada adianta os problemáticos serem mais problemáticos que seus problemas. Eu até concordo com ele, tudo hoje é calculado, seja a contribuição que deliberadamente se decide dar ou não para o sujeito no sinal, seja o trabalho que se tem não sendo neutro quando alguém faz ou ri de uma injustiça. Está naquilo que você come, no que você conversa no elevador, é o que você usa para aliviar a dor, é a cota que você defende, o lixo que você separa, a água do seu banho quente, a iniquidade que você não compara. É o seu nome em um abaixo-assinado, os seus braços com a diferença dados, o seu corpo na linha de uma motosserra, as suas pernas por uma bicicleta e as suas mãos, bem, suas mãos entrelaçadas com as mãos de quem queira, sem verso, sem rima e sem regra.

É complicado mesmo não ser problemático diante de tantos problemas que parecem nem ter solução. Como é viver sem ter a consciência da amplitude do sofrimento alheio? Aliás, alheio nem designa bem essa grandeza de extensão corporal que se aplica às pertenencias territoriais. No fundo, o que me separa de um refugiado afogado no mediterrâneo é tão somente a sorte ou o azar de ter basicamente nascido num ponto x ou y do planeta. O que me separa de uma menina sequestrada e mutilada na África é tão somente ter nascido num ponto a ou b de um hemisfério. O que me separa de um criminoso é que ainda não inventaram penas para a minha inércia de poder fazer mais e não fazer, ou seja, admitir minha culpa por ser tão complacente com a álea satânica que determina o futuro de uma existência comum da qual eu mesmo dependo. Alheio é um conceito que não se aplica nesse mundo avatar tão complexo quanto o arranjo das constelações no céu ou um punhado de balas na terra.

Todos os dias temos que testar nossa capacidade de sermos mais humanos e dá para fazer isso sendo egoístas, afinal querer o bem do próximo é também querer que o mal dele não seja o teu um dia. Talvez isso torne o processo um pouco menos cansativo, não sei, o fato é que querer decência ao próximo e é espreitar no tempo a sua possível condição de fraqueza seja na senilidade ou na triste chance real do ocaso. Que a natureza ou alguém nos proteja quando essa chance real bater à nossa porta, quando o alheio deixar de ser ele para ser tu, para ser eu.




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