terça-feira, 11 de dezembro de 2012

Conclusões das Cenas.




Qual o seu lugar no mundo? O que é mesmo essa ideia chamada lugar?

Fossem essas questões retóricas... mas nada é retórico quando as respostas estão vendadas, vedadas. Se pudesse ilustrar uma dessas perguntas em uma pintura, eu faria um Saturno Devorando um Filho, devorando Isaacs, devorando as entranhas dessa personalidade inquieta, que não identifica a diferença entre altura e profundidade, entre o côncavo e o convexo, o sonho bom e o sonho ruim, o mar e o sertão, a minha cama alheia e a cama alheia minha. E sobre essa pintura eu ainda poria uma tela opaca, ou um cobertor fino, para mostrar dessa antropofagia tão somente as silhuetas, tal qual o fazemos quando a própria alma é opaca: contornos escuros, a boca aberta, as vísceras misturadas; e o lugar... e o lugar? Responda-me!

Perguntaram então: de onde você é, eu respondi, daqui mesmo, e não acreditaram, e saturno devorava. Procurava irrequieto a resposta para a pergunta cabulosa e in-de-ci-frá-vel: sou daqui mesmo, juro; você não pertence a esse lugar, sinto muito.

Em outra latitude eu diria, SOU DE LÁ, mas eu me sinto muito mais de cá do que de lá! Mas e se lá e cá forem, no final ou no início, a MESMA coisa? Se não existir essa coisa, essa redução tão absurda limitadora castradora e excludente?

Então eu pertenço ao lugar e ao transporte e à estrada, como se fosse possível, como se fosse razão. Uma asa de avião, um apartamento no oitavo andar, uma república estudantil, uma memória de sal de lágrima e de textos milhares de textos trocados pelo celular, uma fresta de janela na praia, um acampamento na beira do rio, pneus e lentes rumo ao oeste e ventos ao leste enchendo um balão vermelho; mesmo que não existam mais ou que nunca existiram. E assim os dentes ainda visceram e mastigam, mas não há dor, nem mesmo nas cicatrizes, mas paz.

E não me digam que isso não faz sentido, mas meu lugar sou eu. E eu - compungente - sou vários lugares.

terça-feira, 22 de maio de 2012

O que nos une e nos separa





Uma corrente elétrica ligada no máximo, dando choques em alguma parte do corpo que não se consegue apontar. Não é à toa que a água conduz tão perfeitamente a energia.

Pus os pés naquele chão frio e molhado, mas tudo que senti foi calor. Calor do grito de todos os homens, todos unidos diante daquela entidade poseidônica. O oceano, o maior dos paradoxos, é móvel e estático, ele une e separa. Quando esquenta, a seca bate na minha porta, e quando esfria, traz tempestades.

Por falta de melhor nome em português, resolvi nomear de magia esse sentimento sobrenatural de conexão proporcionado nesse momento pelo oceano.

Ora, acredite ou não, mas a magia é sim real - e rara. É também palpável, palatável e muito saborosa para quem a conhece.

Falo aqui daquela magia que só o seu corpo experimenta, daquela que é exclusiva e puramente individual, egoística ao extremo, mas ao mesmo tempo elemento maior de identidade humana que um pode ter. A magia, assim como o oceano, une e separa.

Aquela palpitação sem motivo aparente, Aquele frisson incontido sentimento de puro êxtase e ansiedade. Calafrios; arrepios; breguice em mitose, em cissiparidade, ruborizando o próprio mágico. Do tocar com a própria mão a mesma água que nos une e nos separa. Une e separa. Porque aquilo que mais soma é também o que mais divide.

E veja bem, magia não tem nada de amor carnal, senão amor ao próximo, tão pouco de esoterismo e divindade, senão o amor à natureza. É aquilo que lhe deixa leve, que lhe deixa bom, que lhe confere uma conexão sem ruídos ou interferências com a sua própria alma. É como o oceano que une ocidente e oriente em uma mesma e única água, em um único povo.

Ao se encontrar consigo mesmo, ao perceber que a persona como ideia se encaixou perfeitamente no hospedeiro natural de carne e osso, o mágico tem o raro e peculiar momento de experimentar o encontro dos seres com eles próprios, em corrente, em união, ligando-os da estratosfera ao centro da terra. Do ventre ao umbigo. De um lado a outro de um oceano que une e separa.

Isaac N

quinta-feira, 3 de maio de 2012

Quando você mergulha, meu amigo.




Mergulhar é um programa arriscado, meu amigo, pois todo bom mergulho pressupõe uma junção de tantos fatores que o prazer de fazê-lo é semelhante à mais pura adrenalina do risco; uma antítese cruel entre o bem estar e o afogamento iminente. Frisson total, magia, meu caro.

Antes de afundar, cheque a água, sua temperatura, a profundidade, e, principalmente, o tamanho do salto. Salto alto costuma dar vertigem, tontura, loucura.

Tem mais, os mergulhadores sábios não afundam sem um guia, uma corda de salvação. Eles não se aventuram em águas desconhecidas sem a própria admoestação: voltarei seguro? Sim, voltarás, desde que aqueles fatores estejam a seu favor, a água, a fundura... a coragem de enfrentar os imprevistos, degustar o real sabor do medo; e como o medo tem gosto de remédio!

Seguidas as regras básicas, é de se curtir o abraço do frio, é se sentir na própria flutuação, se entregar ao azul, verde, translúcidos e opacos, tudo ao mesmo tempo. É de se deixar levar caso o aconchego da água esteja mais atrativo que os impropérios do ar. É se arrastar na correnteza do calor do momento, abrir os olhos e soltar todo o oxigênio, soltar-se. Largar-se.

Não sei o que você acha, meu amigo, mas afundar no mergulho tem lá sua beleza.

sábado, 24 de março de 2012

Valsa na Chuva

Naquela tarde, a água escorria por sob meus cabelos enquanto uma valsa ressoava bamboleante em meu ouvido. Uma valsa em violino, piano, acordeon e violoncelo, ritmo forte, sensação de rodopio, acordes delicadamente trabalhados, burilados pelas mãos dessas pessoas geniais que nascem com os ouvidos canonizados, certamente sobrenaturais. E nesse momento, nesse exato momento em que o acordeon tocava a todo pique, a água da chuva escorria por sob os cabelos, dando um toque malandro para aquele rodopio conduzido pela valsa; pela dança conduzida no arrepio.


Sim porque fez muito frio. A chuva parecia querer me abraçar, me tomar pela mão e dançar comigo aquela ciranda erudita, zombando de tudo e de todos aqueles que a tratavam como um infortúnio, numa espécie de vingança por terem esquecido que a chuva é mesmo para ser acompanhada por uma valsa. Ora, se fosse eu o deus da chuva, também castigaria esse povo que perversamente transformou minha maior dádiva em temor. Bradaria com todos os trovões porque o homem perdeu o prazer que só a chuva proporciona, - Eu, que me esforço tanto, eu que sou solúvel em física e em metáfora, faço sangrar as têmporas para construí-la e entregá-la sem custo algum ao solo, esse pobre maltratado pelos pés sujos dos mesmos humanos que agora me maldizem. Raios.


E enquanto todos voam eu passo devagar, esperando quem sabe alguma lei natural tão substancial quanto a lei da chuva, que essa lei venha me tomar para um outro passeio, mais uma contemplação sensorial. No fim e no início, chuva é conexão: entre céu e chão, entre a semente e o pão, entre o compositor daquela valsa que ainda me fazia rodar e eu. Afinal de contas, a menor distância entre dois pontos é sempre a chuva.


Isaac N

24 de março de 2012

quinta-feira, 23 de fevereiro de 2012

Abundância no desbunde.

É complicado para alguém da geração de abundância do desbunde, não ser do abundantemente desregrado. Não participar do gesto muitas vezes – e quase sempre – autodestrutivo de cultuação da identidade criada na total falta de identidade; não compartilhar do movimento que transforma a inutilidade em vulto e a criatividade em sombra.


Sejamos objetivos, o homem é o próprio destruidor de si mesmo. Ele busca amarras para se definir, ele compra regras no café da manhã, vícios no almoço e marcas no jantar. Sempre correndo atrás do próprio rabo, engatando em modas risíveis para compartilhar o mínimo de si com o máximo de pessoas. O individualismo sobre a mesa e o altruísmo sob o vaso, ralo abaixo.


O desbunde, o rompimento de amarras, a criação do novo de novo; e o mundo engolindo-se no próprio engodo.


É complicado.