sábado, 15 de setembro de 2007

O FIM

Então tá, é o fim. É o fim, e o mundo se pôs no lugar do sol, que insiste em colorir o que pra mim só parece ser cinza e branco. Insiste em deixar sua luz n'aquele quarto que um dia dividimos, naquela cadeira onde eu lia seus livros de Dostoievski e seus romances de Jorge Amado, e suas revistas de gente fútil, mas que demonstravam ter mais personalidade que um dia sonharei em ter na vida.

E agora? O que eu faço com aquela viagem do ano que vem pra Itália? Quem vai brigar comigo na gôndola enquanto eu esguicho água suja na sua cara? Quem vai me dar a caixa de chocolates recheada de flores feitas com os bombons que você comeu?

Com quem eu vou discutir, morrer de brigar, achando que Bentinho era um corno e Capitu uma p., enquanto você acha que uma coisa não tem nada que ver com a outra?Só me resta então, esmurrar o travesseiro, encharcá-lo de tristeza, mergulhar no abismo do lençol, enfrentar as feras que aparecem na tv, sorrindo triunfantes nos seus carros de luxo e suas vidas de mentira. Aí eu vou acordar amanhã, e o verde já conseguirei captar com meus olhos, embora seja o mesmo verde dos teus olhos. E depois de amanhã eu irei perceber o azul, embora seja o mesmo azul do seu vestido preferido. E semana que vem, já até terei um sorriso sincero, um ou dois números discados no telefone, e as pessoas da tv já não parecerão assim tão idiotas, até porque eles foram meus melhores amigos essa semana.Pois é, vida, você ganhou e eu perdi. Doravante só juntarei os cacos se você me disser que eu serei idiota suficiente pra viver isso tudo de novo.

Ah, como é bom o fim. E quem disse que não é?

Isaac N

segunda-feira, 10 de setembro de 2007

LINHA FÉRIAS

O som da buzina é irritante, enjoado e agoniante. É praticamente uma dor de cabeça que não se acaba, que teima em aquecer os miolos na medida em que os trilhos vão passando, em que o horizonte vai sendo invadido, tal qual Napoleão quando invadira a gelada Rússia, pela sonora – ruidosa – máquina ferril. Lá dentro estão os maiores responsáveis pelo funcionamento de tudo que a gente mais precisa, mas que muitas vezes nem imaginamos como se opera. Um dia, por exemplo, uma discussão sobre os computadores e suas operações desconcertantes provocou uma certa dissonância no ambiente pré-acadêmico urbanizado e socialístico – que nada mais é do que a mesa de bar – quando chegaram à conclusão que nem mesmo o mais renomado cientista conseguiria montar um espécime, nem mesmo um mísero protótipo, mesmo com todos os seus conhecimentos científicos especializados.

O responsável pelo barulho monofônico, aquela máquina robusta, cuja moral e imponência desafia toda e qualquer forma viva e não viva, movente ou não, e cuja potência contradiz com sua enorme sujeira e descuido, é o meio por onde caminham e transitam os mais nobres operários do conforto alheio, tão sujos e descuidados quanto o próprio veículo que os transporta. São os construtores das casas, dos prédios e escolas que, como diria o pseudopoeta-anarquista, depois de prontos, não podem sequer passar sobre suas calçadas, são os montadores de carros que não têm carros, são os comerciantes descapitalizados, são as alquimistas do sexo, os alquimistas das substâncias ilícitas que todos tanto buscam, os marginais (sim, os marginais, afinal se não fosse por suas reles, infames e desvairadas existências, de que serviriam os polícias?), os pedintes que limpam e riscam carros. Se fosse transformar esse enredo em uma linguagem figurativa, sem querer usar eufemismos bobos e indiretos, compararia a situação ao sistema digestivo da sociedade. Respondem pela alimentação, pela transformação, mas no fim, e ainda de acordo com Rita Lee, tudo vira bosta.

Aí vem o ruído e quebra a concentração. Droga, onde é que eu parei? Será que foi na parte que via o menino do lado de fora a comer terra ou foi no senhor do lado de dentro que queria nem que fosse terra pra comer?

Mas enfim, o destino era o campo verde, o lugar bonito, o desconhecido tão conhecido. Era o lugar fincado no meio de um canavial, ainda que, na minha cabeça, eu só visse o mato alto engolindo a cidade. Nesses tempos de bio-sei-lá-o-quê, do eco-não-lhe-interessa e do meio-já-é-tarde-demais-ambiente, aquilo lá parecia mais um sítio intocado. A buzina do trem das quatro chegando agita a cidade inteira: vai lá Joana, chegaram os pescadores, vê se tem algum bom pra janta, e você também Maria, vai ajudar teu pai a carregar o isopor do picolé que ele tá cansado! É o acontecimento mais festejado e mais sonoro do dia. É uma alegria tão visceral, tão crua, que não consegui encontrar comparações palpáveis. Mas certo estive que a buzina, mesmo de longe, já provocava as emoções tão cruas quanto aqueles pães assando na padaria, bem perto da linha do trem e que de longe eu já sentia o cheiro.
Isaac N

domingo, 9 de setembro de 2007

DIAS DE INDECISÃO

E o telefone tocou. “Atende, menino, a essa hora só pode ser algo muito importante”, gritava a mãe lá da cozinha, donde exalavam os mais variados cheiros e desgostos, logo ao ouvir o tilintar do aparelho. Àquela hora nem os galos haviam acordado, ou melhor, nem as galinhas haviam deixado os galos acordarem. E o telefone tocava, esse não dormia, não dorme, só acorda.

O garoto e sua curiosidade resolvem, então, acionar o dispositivo, que irá conecta-lo ao mundo através do ouvido. E esta máquina, que é o aparelho auditivo, cujo tímpano ao vibrar, provoca ondas que o nervo capta e emite as informações coletadas à massa cinzenta, a mesma massa responsável também por interpretar a voz do interlocutor e transforma-la em sinais que o menino consiga entender, entender tão bem que desencadeia aquela lágrima descendo pelo olho esquerdo, mais uma e outra vez, após todo esse ciclo ser completado e descontinuado.

“Olha, você não sabe o quanto eu te quero bem, você não sabe o quanto eu sou frágil, e forte”. “Vem cá, eu fiz porque quis, me desculpa, mas agora é assim, você me perdoa?”. “Ora, não faça tanto drama, quantas vezes já não abri mão de fazer o que eu quero pelo que você quer?”.

De repente pensou nos animais livres nos campos, a correr e gritar do jeito que bem entendessem, a pular, relinchar, zombar, trotar, se esconder, acasalar e dormir e o quanto eles estavam preocupados com o futuro da espécie em face do aquecimento global que suas flatulências provocam, ou em quanto eles não se aborreciam quando a leoa mais famosa da selva havia sido flagrada traindo o companheiro, em meio a um bacanal regado a antílopes e besouros chamuscados. E pensou também em quanto o universo é grande e ele pequeno, ínfimo, insignificante, em quantos milhões de quilômetros o separava da lua que ele fingia que tocava com o dedo todas as noites em que ele estava acompanhado, e na fragilidade da vida em comparação à iminência do imenso asteróide a cruzar o céu e deixar o seu rastro de pós-tudo e pós-qualquer-coisa.

Agir numa hora dessas, com um fardo enorme nas costas, e com o aroma do almoço espalhado por toda a casa enquanto o rádio toca músicas alegres para acordar a trupe trabalhadora, é realmente difícil para o garoto que só sonha em resolver seus problemas. Só sonha em um dia olhar cara a cara e dizer tudo que está entalado na garganta, mas que a língua não deixa falar. Ele lembra que até fez isso uma vez quando seu pai lhe ameaçou de cobrir-lhe de tapas, mas agora é diferente, ele quer aquilo pra si, só não sabe como fazer para tê-lo. Ele quer ser coberto de pancadas, ele quer achar que aquilo que ouviu ao telefone não tem nada a ver com as reações químicas que envolvem o cérebro e hormônios, ele tem certeza – e quer ter certeza – que é só o coração que está doendo e reclamando. Esse coração de papel reciclado, que ora bate conforme a carroça, ora bate conforme o carro de corrida ultra-rápido.

O infante, então, enxugou o líquido salgado que teimava em escorrer dos olhos, engoliu o choro, sentou-se à mesa da cozinha, perguntou à mãe uma ou duas coisas, e esperou acabar o grande prêmio que estava acontecendo dentro de si. Quem ganhou? Na verdade, nem ele sabe. Nem irá saber.
Isaac N

sábado, 8 de setembro de 2007

CARACÓIS

Concordo com uma frase que ouvi dia desses e dizia: de tão diferentes, somos todos iguais. Não, não eram engenheiros, nem arquitetos, nem professores, na verdade, muitos deles não tinham instrução qualquer. Não, também não sabiam que haviam meus olhos inquisitores e tomados de um centrismo quiçá intelectual – mas que na verdade eram apenas os da indiferença, assustados com o vistoso choque da realidade – sobre eles.

Era uma noite qualquer, em um lugar qualquer, só eu que não percebia a mesmice da situação que estava tomando forma e a mim se apresentando; ali era o lugar onde todos os gatos eram pardos.

Não conseguiria nunca imaginar quantas gramas de creme muscoso tinham sido usadas sobre cada uma daquelas cabeças morenas, dos caracóis que Caetano tanto já cantou, cujos corpos pareciam exalar todos o mesmo cheiro, mas não a mesma sensualidade. Havia gordas, magras, altas gordas, altas magras, baixas de todo o tipo e indicação, fosse pela estatura ou pelo modo como requebravam suas pélvis em um furor incessante que tenho certeza havia sido despertado pelos genes savanos da mãe África.

Seus rostos, todavia, já não abalizavam tantos comentários que eu pudesse deter-me em mais que algumas palavras. Não sei se era só para mim ou se também para os outros congêneres que ali estavam a me acompanhar naquela odisséia diluvial que aquelas moças certamente não haviam sido dotadas pela mãe natureza do que os cristãos ocidentais modernistas chamam de beleza física. Mas, afinal, o que é beleza? Seria um conceito individual ou coletivo? Se for coletivo, desfeitas estão, desde já, as teorias evolucionistas biológicas burguesistas idiotistas tão aclamadas pelos senhores com suas peles de água sanitária e suas cabeças de água oxigenadas que vivem em seus contos de fadas cujo maior mal-estar é a oscilação da bolsa de desvalores. Esses não sabem o que é a vida.

Já o som que dali saia é, para mim, fonte de controvérsias e discussões internas das quais até hoje não me desvencilhei. Os intérpretes eram todos rapazes bem-vestidos, barba-feita e sobrancelha também. Talvez fossem os professores que faltavam naquele lugar, talvez fossem os citados engenheiros, ou os vetustos arautos da informação racional, secular e não sadia do novo século, afinal, tal era a desenvoltura com suas vozes e as melodias nunca harmônicas de suas letras vulgares, que só poderia considerar aquilo no mínimo de “inovador”. Um médico ou qualquer profissional da saúde que por ali passasse iria cair em travalíngua de tantos e tão variados nomes técnicos que poderiam ser substituídos pelas vulgaridades das músicas. “Faça movimentos no quadril que eu quero praticar sexo interfemural com você” ou “se você quiser realizar penetração no meu aparelho vaginal, tem que me conquistar direito” dentre outros.

E, por falar em travalíngua, não havia melhor descrição para o movimento coletivo que tinha se intensificado com o passar do tempo. Era língua pra cá, língua pra lá, pra dentro e pra fora. A essa hora o aroma do suor já invadira minhas narinas, o álcool já havia transformado aquele chão de terra batida em um formidável salão, as cadeiras de plástico quebradas passavam desapercebidas, os acordes monótonos do teclado já eram comparáveis aos solos da guitarra que tanto gosto e as vozes gasguitas e malabarísticas dos cantadores – isso, cantadores mesmo – já eram mais afinadas que os lendários vocais de Freddie Mercury.

Em um momento, senti-me em casa e consegui perceber o motivo daquilo tudo, afinal, quem era ridículo não era a moça sorridente que me acompanhara até em casa para fins excusos, nem a senhora que vendia cigarro perto do recinto com suas três crianças ao lado às quatro da manhã, muito menos a rodinha de jovens que se aglomerava ao redor de uma garrafa de aguardente a fazer barulho e a gozar a vida.

Eu era o cego, o pior destes, o que não queria ver. O que pôs a lente criada por aqueles que dominam a cultura, mas que não se atreveriam nunca a freqüentar aquela que, certamente, foi a melhor experiência e definição de povo que já tive.

Então dormi contente, meio mareado, ainda que um pouco incomodado, pois no outro dia sabia que iria acordar ao lado daquele mesmo povo, ou de parte dele, junto aos cabelos encaracolados e de perfume comum, e talvez minha visão fosse outra, ou não.
Isaac N

Primeira vez é sempre igual... e diferente

Assim como todo iniciante, calouro, bicho, zé-mané de pouco contato com as coisas novas, tenho minhas incertezas sobre a vida (quem não tem??) e sobre a maneira como costumamos enfrentar a realidade que se nos apresenta todo santo - e não-santo e dessanto e sem-santo também - dia.

Hoje inicio mais um (mais um, mais um, mais um) dentre tantos outros blogs que devem abordar a mesma temática e que, pelo jeito que sou, ainda vou descobrir e, se possível, melhorar com as descobertas.

Então é isso, mãos na massa e no teclado, e mentes abertas para captar as experiências simplistas, mas não simples, do dia-a-dia que se passa ao nosso redor, do meu, do seu, de quem quiser.

Isaac N