sábado, 8 de setembro de 2007

CARACÓIS

Concordo com uma frase que ouvi dia desses e dizia: de tão diferentes, somos todos iguais. Não, não eram engenheiros, nem arquitetos, nem professores, na verdade, muitos deles não tinham instrução qualquer. Não, também não sabiam que haviam meus olhos inquisitores e tomados de um centrismo quiçá intelectual – mas que na verdade eram apenas os da indiferença, assustados com o vistoso choque da realidade – sobre eles.

Era uma noite qualquer, em um lugar qualquer, só eu que não percebia a mesmice da situação que estava tomando forma e a mim se apresentando; ali era o lugar onde todos os gatos eram pardos.

Não conseguiria nunca imaginar quantas gramas de creme muscoso tinham sido usadas sobre cada uma daquelas cabeças morenas, dos caracóis que Caetano tanto já cantou, cujos corpos pareciam exalar todos o mesmo cheiro, mas não a mesma sensualidade. Havia gordas, magras, altas gordas, altas magras, baixas de todo o tipo e indicação, fosse pela estatura ou pelo modo como requebravam suas pélvis em um furor incessante que tenho certeza havia sido despertado pelos genes savanos da mãe África.

Seus rostos, todavia, já não abalizavam tantos comentários que eu pudesse deter-me em mais que algumas palavras. Não sei se era só para mim ou se também para os outros congêneres que ali estavam a me acompanhar naquela odisséia diluvial que aquelas moças certamente não haviam sido dotadas pela mãe natureza do que os cristãos ocidentais modernistas chamam de beleza física. Mas, afinal, o que é beleza? Seria um conceito individual ou coletivo? Se for coletivo, desfeitas estão, desde já, as teorias evolucionistas biológicas burguesistas idiotistas tão aclamadas pelos senhores com suas peles de água sanitária e suas cabeças de água oxigenadas que vivem em seus contos de fadas cujo maior mal-estar é a oscilação da bolsa de desvalores. Esses não sabem o que é a vida.

Já o som que dali saia é, para mim, fonte de controvérsias e discussões internas das quais até hoje não me desvencilhei. Os intérpretes eram todos rapazes bem-vestidos, barba-feita e sobrancelha também. Talvez fossem os professores que faltavam naquele lugar, talvez fossem os citados engenheiros, ou os vetustos arautos da informação racional, secular e não sadia do novo século, afinal, tal era a desenvoltura com suas vozes e as melodias nunca harmônicas de suas letras vulgares, que só poderia considerar aquilo no mínimo de “inovador”. Um médico ou qualquer profissional da saúde que por ali passasse iria cair em travalíngua de tantos e tão variados nomes técnicos que poderiam ser substituídos pelas vulgaridades das músicas. “Faça movimentos no quadril que eu quero praticar sexo interfemural com você” ou “se você quiser realizar penetração no meu aparelho vaginal, tem que me conquistar direito” dentre outros.

E, por falar em travalíngua, não havia melhor descrição para o movimento coletivo que tinha se intensificado com o passar do tempo. Era língua pra cá, língua pra lá, pra dentro e pra fora. A essa hora o aroma do suor já invadira minhas narinas, o álcool já havia transformado aquele chão de terra batida em um formidável salão, as cadeiras de plástico quebradas passavam desapercebidas, os acordes monótonos do teclado já eram comparáveis aos solos da guitarra que tanto gosto e as vozes gasguitas e malabarísticas dos cantadores – isso, cantadores mesmo – já eram mais afinadas que os lendários vocais de Freddie Mercury.

Em um momento, senti-me em casa e consegui perceber o motivo daquilo tudo, afinal, quem era ridículo não era a moça sorridente que me acompanhara até em casa para fins excusos, nem a senhora que vendia cigarro perto do recinto com suas três crianças ao lado às quatro da manhã, muito menos a rodinha de jovens que se aglomerava ao redor de uma garrafa de aguardente a fazer barulho e a gozar a vida.

Eu era o cego, o pior destes, o que não queria ver. O que pôs a lente criada por aqueles que dominam a cultura, mas que não se atreveriam nunca a freqüentar aquela que, certamente, foi a melhor experiência e definição de povo que já tive.

Então dormi contente, meio mareado, ainda que um pouco incomodado, pois no outro dia sabia que iria acordar ao lado daquele mesmo povo, ou de parte dele, junto aos cabelos encaracolados e de perfume comum, e talvez minha visão fosse outra, ou não.
Isaac N

Nenhum comentário: