domingo, 9 de setembro de 2007

DIAS DE INDECISÃO

E o telefone tocou. “Atende, menino, a essa hora só pode ser algo muito importante”, gritava a mãe lá da cozinha, donde exalavam os mais variados cheiros e desgostos, logo ao ouvir o tilintar do aparelho. Àquela hora nem os galos haviam acordado, ou melhor, nem as galinhas haviam deixado os galos acordarem. E o telefone tocava, esse não dormia, não dorme, só acorda.

O garoto e sua curiosidade resolvem, então, acionar o dispositivo, que irá conecta-lo ao mundo através do ouvido. E esta máquina, que é o aparelho auditivo, cujo tímpano ao vibrar, provoca ondas que o nervo capta e emite as informações coletadas à massa cinzenta, a mesma massa responsável também por interpretar a voz do interlocutor e transforma-la em sinais que o menino consiga entender, entender tão bem que desencadeia aquela lágrima descendo pelo olho esquerdo, mais uma e outra vez, após todo esse ciclo ser completado e descontinuado.

“Olha, você não sabe o quanto eu te quero bem, você não sabe o quanto eu sou frágil, e forte”. “Vem cá, eu fiz porque quis, me desculpa, mas agora é assim, você me perdoa?”. “Ora, não faça tanto drama, quantas vezes já não abri mão de fazer o que eu quero pelo que você quer?”.

De repente pensou nos animais livres nos campos, a correr e gritar do jeito que bem entendessem, a pular, relinchar, zombar, trotar, se esconder, acasalar e dormir e o quanto eles estavam preocupados com o futuro da espécie em face do aquecimento global que suas flatulências provocam, ou em quanto eles não se aborreciam quando a leoa mais famosa da selva havia sido flagrada traindo o companheiro, em meio a um bacanal regado a antílopes e besouros chamuscados. E pensou também em quanto o universo é grande e ele pequeno, ínfimo, insignificante, em quantos milhões de quilômetros o separava da lua que ele fingia que tocava com o dedo todas as noites em que ele estava acompanhado, e na fragilidade da vida em comparação à iminência do imenso asteróide a cruzar o céu e deixar o seu rastro de pós-tudo e pós-qualquer-coisa.

Agir numa hora dessas, com um fardo enorme nas costas, e com o aroma do almoço espalhado por toda a casa enquanto o rádio toca músicas alegres para acordar a trupe trabalhadora, é realmente difícil para o garoto que só sonha em resolver seus problemas. Só sonha em um dia olhar cara a cara e dizer tudo que está entalado na garganta, mas que a língua não deixa falar. Ele lembra que até fez isso uma vez quando seu pai lhe ameaçou de cobrir-lhe de tapas, mas agora é diferente, ele quer aquilo pra si, só não sabe como fazer para tê-lo. Ele quer ser coberto de pancadas, ele quer achar que aquilo que ouviu ao telefone não tem nada a ver com as reações químicas que envolvem o cérebro e hormônios, ele tem certeza – e quer ter certeza – que é só o coração que está doendo e reclamando. Esse coração de papel reciclado, que ora bate conforme a carroça, ora bate conforme o carro de corrida ultra-rápido.

O infante, então, enxugou o líquido salgado que teimava em escorrer dos olhos, engoliu o choro, sentou-se à mesa da cozinha, perguntou à mãe uma ou duas coisas, e esperou acabar o grande prêmio que estava acontecendo dentro de si. Quem ganhou? Na verdade, nem ele sabe. Nem irá saber.
Isaac N

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