quarta-feira, 8 de janeiro de 2014

O desejo é a dor do desejo



O desejo é a dor do desejo. Enraíza os alvéolos e brônquios com um só sopro amargo. Trava tudo; respirar é a última das funções de um pulmão doente de querer. É como um sólido, um bólido, arranhando o tórax por dentro enquanto sacia sua vontade mesquinha de se fazer sentir e se fazer doer, interrompendo o curso do tempo aqui na terra com uma velocidade cadenciada e quase dormente, mas que não te deixa dormir.

Ali as luzes são raios, choques, espectros de uma realidade inventada e desinventada na hora. São pólvoras e faróis explodindo em profusão, são anis, são o que você quiser ver. Um olhar doente de desejo não vê nada senão a cor que lhe apetece, que lhe transporta imediatamente para aquele lugar bom e seguro; para o abismo verde do oceano ou para o sofá de casa. Os monstros são sempre os outros, mas os doentes de desejo se reconhecem, encontram-se em suas angústias e simpatizam em suas vontades. E quando fecham os olhos vêem seu querer borbulhando, correndo no leito de um rio colorido como medusas alucinadas fazendo acrobacias, engolindo-se umas as outras e regurgitando em geometrias agudas, em sons graves. Ali o pensamento não é razão pois o desejo não deixa pensar. Também pudera, o desejo é uma água-viva louca e carnívora em um rio caudaloso.

O desejo é, por fim, armadilha. Ele te dá as respostas que você não perguntou e te pergunta coisas que você não sabe responder. É uma charada das boas, daquelas cuja solução é a própria pergunta dissecada em pequenos fragmentos de sentido. O desejo não tem estética, ele não tem forma, ele não se preocupa com convenções, ele só quer devassar seu pulmão por completo, só quer te ver plano, franco, carnal, honesto, estóico. É bom estar preparado para as verdades, pois ele não é feito de frivolidades mas de concupiscências.

E quando você acha que vai morrer de desejo, eis que o tempo regula tudo e o que estava dentro agora está fora e vice-versa. Eu gosto da dor do querer, pois eu gosto da dor de me sentir humano.

Um comentário:

A. Paula disse...

A dor é um lembrete de que estamos vivos e o quão frágil é essa condição. O desejo é a consequência de sermos frágeis. Queremos tudo. Queremos nos sentir completos. Nossa percepção se abre para o objeto do desejo. Cria-o, enfeita-o. Torna-o mais atraente, revestindo-o de cores e sons, perfeitos para nós. Desejar é almejar a perfeição, que pode até não ser perfeita, mas quando tocada, é sublime.