segunda-feira, 1 de janeiro de 2018

Pequenos suicídios

Cora Coralina disse uma vez que é preciso que alguém reveja, escreva e assine os autos do passado antes que alguém leve tudo a raso. Que sabedoria a dessa mulher, não? Ouso dizer que até mesmo as tragédias têm um lirismo perfeito: a minha dor me é tão cara que eu posso viver sem um braço, mas não sem ela. Seja em matéria de grandes feitos ou de pequenos martírios, o passado é mais que direito: é essência do que somos formados, rocha de nosso chão ou basicamente o que nos separa de um pedaço de carne que só anda e fala.

Autores, revisores e leitores assíduos desse nosso pequeno sopro chamado existência, escrito todo dia no papel da inexorável marcha do tempo. Nós somos também pilotos desse corpo e a nós nos compete tomar o rumo: um caminho que não só tem um fim certo, mas também uma única chance de ser bem percorrido, afinal todo segundo que se vive é o último e o único ao qual somos obrigados.

E essa história, o passado, é feita todo o tempo, se morrendo para se viver; são pequenos suicídios que a gente comete para corrigir os rumos, retomar as rédeas de si, every single day. Doses diárias de coragem são necessárias para que o eu seja sempre eu e não qualquer outro errante perdido por aí. Doses tão fortes que parte de nós vai junto com as decisões: em matéria de vícios, relacionamentos e empregos, é preciso deixar morrer certas coisas antes que elas te morram.

Sou meu passado, mas sou ainda mais meu futuro. Ora, todo santo dia é o dia para fazer o maravilhoso acontecer. Todo santo dia é o momento de se obrigar a não fazer nada menos que o maravilhoso de nossas vidas e, por consequência, da vida dos outros que nos cercam e ainda das que podemos tocar com nossos atos. Vejamos, escrevamos e assinemos nossas histórias com orgulho de tê-las feito da melhor maneira que pudemos em cada pequena ou grande decisão. Que o arrependimento e o perdão sejam os ensinamentos necessários para melhorar essa escrita a cada nova página, a cada nova obra.

É bom lembrar que toda história tem um único fim, mas a beleza que existe no meio é culpa da cor da tinta e da habilidade do pintor. Quem não faz isso, não decide o que é o melhor para sua história a cada segundo, é melhor logo se considerar um pedaço de carne que só anda e fala. Isso vale desde o dia em que se nasce ao dia em que se vai de vez.

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