quarta-feira, 18 de outubro de 2023

Encantamento com a finitude.

Eu queria falar sobre o amor, mas falar sobre isso é olhar muito de perto para o abismo que é a finitude da vida. Então eu vou falar disso, mas fingir que não é sobre amor, vou dizer que é sobre a finitude da vida em si (sabendo que é sobre o amor).

A primeira coisa que a finitude me traz é o medo. Eu tento entendê-lo para através dele compreender o mundo, vivenciar os lutos e só assim esquecer que ele existe. O último balanço da rede, o extinguir da estrela cadente, o último aplauso do último show do artista, o último trago antes de começar o retorno à sobriedade. O medo é o oposto da magia, mas não como antagônico e sim como complemento. Afinal, o medo é a dose de morte na vida e a dose de vida na morte.

É preciso andar na ponte do rio que cai dos medos para se entregar à magia. A magia que é o encantamento, a esperança, a alegria e o conformismo de que isso tudo acaba, mas mesmo acabando, deixou sua história e fez alguma mudança no mundo.

Veja bem, veja essas linhas, por exemplo. Elas não são nada além de traços, agrupamentos de alguma substância química que, em si, não representam nada. Aliás, é preciso um bocado de informação para entender que esses traços arredondados que se juntam e formam palavras, que contam uma história. Eles - os traços - movimentam alguém, causam embaraço, indignação, interesse. É preciso que um ser tenha consciência, tenha visão, que entenda o português, que enxergue esses traços no espectro de luz em que eles foram desenhados, que tenha capacidade de interpretação, compreensão, todo esse quebra-cabeças para transmitir uma mensagem; uma informação partindo de alguém que está vivo hoje mas que vai morrer para alguém que pode nem estar vivo hoje, mas que também vai morrer.

Não falo a partir de uma ótica pessimista, afinal não estou deprimido com a realidade do sopro de vida que me foi dado. Pelo contrário, enxergar o medo da finitude da vida é perceber o tanto de cor que existe em uma aquarela, é sentir o calor de um abraço no frio escuro, é a pequena luz que pisca no céu opaco. É o tudo traduzido na linguagem da vida, é como enxergar um deus, deixar-se seduzir pelo mistério e nele encontrar respostas abertas para tudo que não sabemos o que é. É o complemento um do outro.

Você já parou pra pensar que um dia você acordou dentro de uma máquina super potente, cheia de energia, que praticamente se gerencia a si própria de forma automática, mas que te colocou para tomar as decisões mais importantes? Como compensação para essa árdua tarefa, ela te deu prazeres e te entregou o amor, para que você visse que o sopro de vida tem sim uma função, mudar o mundo de alguma forma. E essa magia só pode ser o amor, pois ela é em parte triste e preocupante, mas também é em parte inspiradora e alegre.

Por isso que entre o medo e a magia existe toda a vida. A vida é o abismo e olhar para dentro dele demanda coragem para deixar sua marca no mundo. 

Não tenha medo do abismo, o amor é o desafio e também a recompensa para se justificar a nossa parca e ínfima existência nesse pequeno planeta que, assim como tudo nessa existência, também um dia vai se acabar.

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