quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

É o que se tem para hoje. (parte 6)

Confesso que foi difícil atender um telefonema tão enigmático, tão cheio de significações. Ora que coisa, tinha que ser um dia depois do aniversário de nosso encontro? Tinha que ser na hora em que a borboleta mais curiosa pousava na flor mais próxima de mim dentre todas as outras borboletas e flores do planeta? Tinha que me inevitavelmente fazer lembrar do dia em que recebi outra ligação, dessa vez a que me separaria para sempre daqueles olhos de pérola negra que daquele dia em diante voltariam a ser estrelas? 

Eu queria ter tido um só dia, que fosse uma só chance para conversar com ela, que fosse até por telefone. Só bastava um minuto. Depois que ela me ensinou o que significava a vida, agora me ensinaria o que significava a morte. Poderíamos relembrar as histórias, riríamos das desgraças como sempre fazíamos e, no fim, ela me diria se em algum universo paralelo elas terminaram de maneira diferente. 

Mas de que adianta o querer se não existe tal coisa como a realização? Acho que é por isso que não entendemos a morte, pois se alcançássemos esse objetivo, este já deixaria de sê-lo e não teríamos mais para onde partir. Do vazio ao vazio, esse é o caminho que percorremos. Do verão ao verão, do chão ao chão, do pó ao pó. Das estrelas às estrelas.

E por falar em estrelas, o sol deu uma pequena trégua e resolveu se esconder por um pequeno instante, o suficiente para interromper o repouso da pequena borboleta nas flores que Seu Abel tinha colocado na varanda. Olhou para mim, bateu levemente suas asas e, no intervalo de um piscar de olhos, se foi do vento para o vento. 

Em uma das esquinas dessa ou de outras existências eu tenho certeza que seu sorriso amarelo e seu sotaque português ainda caminham por aí de braços dados com a alegria e a histeria sua e de seus amigos.




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