sexta-feira, 14 de novembro de 2014

É o que se tem para hoje. (parte 2)

Eu não escolhi ser o que sou. Acho que ninguém ‘escolhe’ ser uma espécie de alguma coisa. A gente, no máximo, toma uns caminhos que consideramos certos e aguardamos para ver o que sai dali, se é algo certinho, algo completamente fora do imaginado ou qualquer uma das infinitas hipóteses do meio. O resto é dado pelo universo mesmo: um espaço-tempo guardados para a sua vida e a consciência para saber que você está nela. No mais não há nada que possa ser feito para alterar essas duas circunstâncias. Pelo menos é nessa simplicidade que me baseio e que julgo ser razoavelmente válida caso uma pessoa não queira depender da ação ou omissão de entidades outras.

Bom, eu não escolhi muitos dos meus caminhos, acho que foi isso que quis dizer, reformulando e simplificando o pensamento anterior. Eu nasci do jeito que nasci, onde nasci, dentro de uma específica estrutura criada pelos outros que vieram antes de mim e que acham que têm o poder de exercer a autoridade do passado para os dilemas do futuro, o qual obviamente não lhes pertence. Os genes são meus, eu os assumo daqui por diante, ok? Mas também não era isso que eu tinha em mente quando comecei nessa reflexão existencial.

O fato é que fui levado por essas espécies de decisões minhas e dos outros – certas, não certas ou qualquer uma das infinitas opções entre uma e outra – ao ponto onde estou agora, diante de um aparelho telefônico que, ao passo em que vibra, me quebra como cristal frágil. Como uma estrela que entra em um buraco negro e se dissipa, como uma escultura de gelo que se derrete e nunca mais vai ser, como o néctar da flor que não é mais depois que a borboleta o suga.

Lembro que quando era mais moço, mais moleque mesmo, tinha esse medo quando me sentia na iminência de um castigo ou de um acidente causado pela minha negligência às regras naturais e não naturais das coisas e das pessoas. Gosto desses momentos introspectivos em que redescubro os medos e angústias que tinha quando criança, até porque na verdade não deixei de ser o mesmo menino pessimista que temia o anúncio da morte ou de coisa pior quando o galo do vizinho do meu avô cantava à noite. Ou o mesmo garoto criativo e assombrado que via na sombra das árvores alinhadas no horizonte galinhas gigantes e devoradoras de cérebros perseguindo o carro em movimento.

Essa divisão entre adulto e criança eu considero algo criminoso, como se fôssemos duas pessoas diferentes. Viver em módulos, é esse o propósito? Naquele primeiro não era eu porque hoje eu raciocino dessa forma e amanhã não serei também eu porque raciocinarei doutra. O adulto é na verdade uma versão piorada da criança, uma versão de você mesmo que envelheceu e ficou mais feio, mais chato, mais esquecido, mais insistente, mais preconceituoso, mais pobre porque acha que riqueza é ter dinheiro. Não, eu ainda sou a mesma criança e até digo isso para as pessoas que se arriscam a me aturar, que esperem de mim racionalidade mas sobretudo sentimento. Tenho 27 anos, sou  pessimista, criativo e assombrado e é basicamente algo que você ou minha mãe poderiam saber desde que eu me entendi por gente.

E naquele momento diante do telefonema, não existia mais ressaca senão pura embriaguez de justamente o quê? Criatividade pelas milhões de possibilidades do que aquilo representava ou poderia representar, mas a plena certeza de que não era algo bom e o medo correspondente disso tudo trincando meus dentes e fazendo aquela agonia de vidro frágil, buraco negro, escultura de gelo derretendo e todos os et ceteras possíveis e não verbalizáveis.

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